sexta-feira, 1 de julho de 2016

Cap 2 - Apedrejando os "deuses"

Cap. 2 
Apedrejando os “Deuses”
“Homem baixo, calvo (ou de cabeça raspada), pernas tortas e musculosas, olheiras, nariz aquilino; aparência distinta, visto que às vezes assemelhava-se a um homem, outras tinha o semblante de um anjo”.
Esta é uma suposta descrição do apóstolo Paulo, tirada de um livro apócrifo, um tanto espúrio, do segundo século chamado Os Atos de Paulo e Tecla, cap 1, v. 7. O que torna este livro interessante é que diz ter Tecla vivido em Icônio, distante 30 m de Listra, cidade natal de Timóteo. A descrição é supostamente a de Paulo quando ele entrou na cidade de Listra.
Embora algumas partes da história de Tecla sejam forjadas, outras parecem apresentar sinais de autenticidade; e é possível que, conforme afirmação de alguns eruditos, a descrição de Paulo seja razoavelmente exata.
É provável que nesta altura Paulo não se incomodasse com a aparência. Havia escapado da turba que procurou apedrejá-lo em Icônio, e ainda lutava com o que devia ter sido um ataque de malária. Exausto, depois de andar 30 km a pé, não há dúvida de que a primeira coisa que Paulo procurou foi hospedagem.
Duvido que Paulo e Barnabé tenham sido notados ao passarem pelo templo de Júpiter fora do portão da cidade e ao entrarem em Listra. O local deveria estar apinhado de gente, moradores da idade conversando, vendedores ambulantes apregoando as suas mercadorias, e os onipresentes mendigos implorando dinheiro
Se fosse eu, teria procurado um hotel, mas Paulo tinha por hábito procurar uma sinagoga porque podia estar certo de encontrar famílias judias na vizinhança. Como Listra não tinha sinagoga, Paulo e Barnabé indagaram onde havia lares judeus naquele lugar. Este era o hábito de Paulo aonde quer que fosse. Em Filipos, não havendo sinagoga, Paulo achou mulheres à margem de um rio, em reunião de oração e uma delas, Lídia, convidou-os a ficarem em sua casa.
Onde Paulo se hospedou em Listra não sabemos. Mas, sendo a comunidade judia pequena como era, a família de Timóteo deve ter sabido da chegada de Paulo. Não eram muitos os rabinos judeus que iam até Listra, portanto Paulo e Barnabé devem ter sido acolhidos como hóspedes de honra pela pequena população judaica.
A maioria das pessoas numa situação idêntica a de Paulo, ter-se-ia escondido por algum tempo para se recuperar. Depois de ser quase apedrejado em Antioquia da Pisídia e em Icônio, Paulo deveria ter sido prudente em Listra. Afinal, Icônio estava a apenas 30 km de distância, e as notícias andam rapidamente.

Pregando em Listra
Se Paulo e Barnabé quisessem uma desculpa para descansar, teriam uma porção delas: Listra não tinha sinagoga; os nativos falavam uma língua estrangeira; Paulo sentia-se indisposto. Mas, eles não se contentaram em apenas pregar o evangelho em Listra; continuaram a pregar em toda a região (Atos 14:6-7). Já que em Listra não havia sinagoga, Paulo e Barnabé pregaram ao ar livre, provavelmente perto dos portões da cidade onde o povo se reunia (Atos 14:8-9). E isto faz supor que devia ser nas imediações do imponente templo de Júpiter.
Para Eunice e seu filho Timóteo, esta pregação audaz devia ter parecido insólita e talvez até mesmo imprudente. Os judeus normalmente não expunham as suas idéias. Eles ensinavam os seus familiares, mas não saíam às ruas, nem iam às esquinas, para pregar. Algumas vezes os gentios sentiam-se atraídos à adoração na sinagoga por causa do alto padrão moral dos judeus, mas não por causa da pregação.
A opinião da maioria dos eruditos é que Eunice, mãe de Timóteo, tornou-se cristã durante os primeiros dias da visita de Paulo. Talvez Timóteo e a sua avó também. Na sua primeira Epístola a Timóteo, Paulo refere-se a ele como ‘filho na fé” (1:2), e parece provável que o apóstolo tenha conduzido o jovem pessoalmente à salvação em Jesus Cristo.
Paulo e Barnabé tinham um entusiasmo sem limites ao espalhar a sua fé, e isto deve ter causado profunda impressão em Timóteo que era um tanto tímido. Esperava Deus que ele fizesse o mesmo que Paulo e Barnabé estavam fazendo? Isso seria esperar demais; seria uma responsabilidade acima das suas aptidões.
Não se sabe quanto tempo Paulo e Barnabé pregaram o evangelho em Listra, mas alguns comentaristas acham que o trabalho evangelístico deve ter sido extenso. A barreira lingüística, porém, deve ter impedido que os missionários tivessem grande êxito; pois, apesar do povo de Licaônia ser bilíngüe e entender o grego, de certo modo não aceitavam muito bem essa língua. Mas, para um adolescente chamado Timóteo, cuja língua materna era o grego, aqueles deviam ter sido dias emocionantes
Houve mais alguém em Listra que muito se impressionou com a pregação de Paulo. Era um aleijado, e devia ser muito deformado. O Dr. Lucas descreveu-o como sendo incapaz de andar. Em grego, foi usada nesse versículo uma expressão que se refere a casos incuráveis. É uma expressão muitas vezes traduzida como “impossível” (Mateus 19:26). O Dr. Lucas disse também que era “paralítico desde o seu nascimento”. E, então, como se isso já não fosse óbvio, acrescentou “o qual jamais pudera andar”. Evidentemente, o homem era um caso sem esperança, de conhecimento geral em toda a comunidade.
Como estava diariamente ás portas da cidade, o aleijado devia ter ouvido notícias de Icônio, de que Paulo e barnabé tinham ali feito milagres. E, no caso de Paulo ter de fato pregado ali regularmente, este aleijado teve mais oportunidade de ouvir o evangelho do que qualquer outra pessoa. Apesar do obstáculo da língua, deve ter compreendido o suficiente para crer na mensagem.
Certa feita, quando Paulo pregava, ele viu o aleijado. Não há dúvida de que já o tinha visto antes; mas desta vez Paulo viu não somente o homem, mas também a sua fé. Disse-lhe então “em alta voz: Apruma-te direito sobre os pés” (Atos 14:10), do mesmo modo que Jesus bradou em alta voz no túmulo de Lázaro. Em nenhum dos casos era necessário gritar para chamar a atenção daquele que iria receber o milagre; antes, para chamara atenção do povo que passava por ali.
Este “apruma-te”, que corresponde a “põe-te a prumo” ou “endireita-te”, seria a palavra grega orthos da qual nos vem “ortopedia”. Incidentalmente, a linguagem viva, intensa, usada nesta história sugere a A. T. Robertson, famoso erudito batista do sul dos Estados Unidos, versado no Novo Testamento, que Lucas ouviu esta história diretamente do próprio Timóteo que tinha presenciado o milagre.
Porém, é obvio que Timóteo não foi a única testemunha. O povo da cidade também estava lá.
Por certo aquele povo ficou espantado com uma ordem tão ousada; devem ter parado para ver o que ia acontecer. Não precisaram esperar muito tempo.
O aleijado deu um salto e começou a andar. No texto bíblico encontramos as palavras “e andava”. No texto grego encontra-se a palavra peripatetikós que significa “movendo-se constantemente”. É uma exata descrição do ex-aleijado. Fora libertada uma vida inteira de atividade reprimida.
Quanto mais ele pulava, mais alto o povo gritava. E, à medida que as vozes se elevavam mais e mais, os lojistas devem ter posto a cabeça para fora das suas portas para ver que agitação era aquela.

Júpiter e Mercúrio
O povo pode ter custado a entender o grego que Paulo e Barnabé falavam, mas entenderam de imediato o milagre. Agora, eram os missionários que tinham dificuldade em entender os gritos da multidão. Além do mais, Paulo e barnabé não conseguiam absolutamente dirigir-se ao povo no meio daquela gritaria. O tumulto era enorme e não havia sinal de que ia diminuir. Timóteo, porém não teve dificuldade alguma em entender os gritos da turba: “os deuses vieram até nós na forma de homens”. O povo pensava que Barnabé e Paulo fossem os deuses Júpiter e Mercúrio que na mitologia grega correspondiam a Zeus e Hermes.
Não se sabe se Paulo e Barnabé ficaram no meio da multidão. O mais provável é que tenham voltado para a residência em que estavam hospedados.
Suponho que Timóteo tenha ficado ali para ver como aquele movimento acabaria. Ele já devia saber o motivo de o povo ter comparado Paulo e Barnabé com os deuses.
Lembra-se daquela velha lenda mencionada no primeiro capítulo? Essa história foi também imortalizada pelo escritor Ovídio em Metamorfose. A população urbana sempre pensava em quando os deuses viriam fazer-lhe uma visita novamente.
O poeta Homero escreveu:
Sob a forma de forasteiros, muitas vezes
Os deuses podem facilmente tomar formas diversas
E ir a cidades populosas, onde observam
Os vícios e as virtudes dos homens.

De acordo com a tradição, Barnabé era um homem de bela aparência, alto e majestoso, um tipo adequado para uma possível encarnação de Júpiter. Paulo, entretanto, era baixo e realmente “discursador”. Mercúrio era o mensageiro dos deuses. Dizia-se que Mercúrio tinha orientado oradores e era conhecido, entre outras coisas, como o deus da eloqüência.
Tudo isso pareceu lógico ao povo. Tinham um templo dedicado a Júpiter nas portas da cidade. Dois forasteiros tinham vindo e realizado um milagre incrível. Como explicar o acontecido senão pelo aparecimento de Júpiter e Mercúrio? Mais tarde, ao escrever ao povo daquela região, Paulo referiu-se ao fato de terem-no recebido como um anjo de deus (Gálatas 4:14).
O sacerdote, que normalmente sacrificava touros no altar de Júpiter, achou que aquela era a hora de fazer preparativos para outro sacrifício. O sacerdote estava habituado a oferecer o sacrifício em frente à estátua de Júpiter. Desta vez, ele teria a honra de oferecê-lo em frente ao próprio deus.
Não sabemos se o sacerdote convidou Barnabé e Paulo para a ocasião ou se alguém como Timóteo correu para avisá-los. Mas os dois homens dirigiram-se à multidão pelo portão da cidade e prontamente acabaram com a festividade. Rasgando as próprias vestes, mostraram á multidão que estavam profundamente constrangidos pelos acontecimentos. Era como se o povo estivesse blasfemando. (V. a atitude do sumo sacerdote em Mateus 26:65).

Um jovem observador

Minha impressão é que Timóteo estava observando e compreendendo tudo. Jamais tal coisa havia acontecido em Listra em toda a sua vida e ele não queria perder nada.
Embora não saibamos que tipo de vida Timóteo teve em Listra, podemos afirmar que não havia perseguição aberta aos judeus. Mesmo assim, ele deveria ter consciência de pertencer a um grupo minoritário, fosse pelo Judaísmo do lado materno ou pelo Helenismo do lado paterno.
Ele não se encaixava na sociedade. Os nativos de Listra ressentiam-se do exclusivismo religioso dos judeus e da intromissão cultural dos helenos. Timóteo era um intruso até mesmo na sua própria terra, e a sua educação religiosa não melhorou a situação. Certamente, Eunice queria que Timóteo se mantivesse tão longe quanto possível da religião dos nativos da Licaônia, porque era moralmente corrupta. E o pai de Timóteo não havia de querer que a rudeza e a superstição do populacho contaminassem o filho.
Ele foi obrigado a afastar-se da sociedade. Embora este afastamento tenha tido suas vantagens, também trouxe alguns problemas. Por exemplo, como pode alguém comunicar-se com pessoas das quais está separado?
Talvez isto não tenha chegado a ser um problema para Timóteo até ao momento em que se tornou cristão. Como rapaz judeu, ele poderia ficar à parte e retraído; mas, como cristão, era desafiado a testemunhar a seus vizinhos, fossem eles judeus, gregos, romanos ou da Licaônia. E todos os quatro grupos estavam representados em Listra. O exemplo mor de Timóteo era Paulo, e este não deixou dúvidas de que os cristãos deviam testemunhar com ousadia.
Mas como?
Pode-se jogar á água um anzol com apetitosa minhoca na ponta, mas essa não é a maneira de se comunicar com os peixes.
Pode-se ficar atrás de um esconderijo e atirar em um inocente pássaro a voar no céu de outono, mas não é esta a maneira de se comunicar com as aves.
A expressão “pescadores de homens” é usada de um modo vago e indefinido, e dá uma idéia errada do que é testemunhar. Quando Deus quis comunicar-se com a humanidade, a Palavra tornou-se carne e habitou entre nós, embora sem pecado. O ingrediente secreto do testemunho realmente eficaz não é uma boa isca, mas sim o amor divino.
Não há dúvida de que Timóteo conhecia o Antigo Testamento, graças à sua mãe, mas é incerto que ele estivesse a par da natureza humana e de como lidar com as pessoas antes de andar na companhia de Paulo. E Paulo, que se fazia de tudo para com todos, com o fim de salvar alguns, era um estimulante exemplo para Timóteo (I Coríntios 9:22).
Assim, quando a multidão de Listra estava prestes a oferecer sacrifícios a Paulo, Timóteo aguardava para ver como Paulo iria safar-se daquela enrascada e transformar o tumulto numa oportunidade de comunicar o evangelho.

Mensagem de Paulo

Quando a multidão finalmente se acalmou, Paulo falou-lhe direta e singelamente. É este o primeiro relato do Novo Testamento em que Paulo, ou qualquer outro apóstolo tenha se dirigido a um auditório completamente pagão.
Basicamente, a mensagem de Paulo foi positiva, embora ele se tenha referido às práticas religiosas dos habitantes de Listra como “coisas sem valor” ou “vazias”. Paulo jamais deixou de mencionar a necessidade de arrependimento nas suas pregações. Mas a parte principal da sua mensagem era sobre deus, sobre o deus verdadeiro que os habitantes de listra, como os de Atenas (Atos 17), desconheciam por completo.
Paulo não tentou ser profundo ou impressionar o povo de Listra com a sua cultura. Ele não citou o Antigo Testamento. Tampouco citou poetas gregos, como o fez mais tarde a atenienses mais cultos. Ele falou sobre o Deus Poderoso e disse que ele vive, é o Criador, é aquele que cuida e é aquele que revela.
Paulo apresentou Jeová como o Deus que criou todas as coisas e que manda a chuva para que as plantações cresçam. Isso era uma coisa que os habitantes de Listra podiam entender. Como diz William M. Ramsey: “Fortes contrastes de climas entre um longo e intenso inverno e um curto e forte verão, um solo fértil dependendo inteiramente da contingência de uma chuva incerta, fixaram na mente dos habitantes a insignificância do homem e a sua dependência do poder da natureza.”
Júpiter era considerado o deus da chuva e Mercúrio aquele que concede o alimento; assim, quando Paulo identificou-se como o porta-voz do deus que providenciava chuva e comida, é claro que ele representava uma Divindade superior. Se um Deus podia fazer o trabalho de dois, devia ser melhor.
Paulo não podia falar aos habitantes de Listra em termos judaicos. Ele não podia referir-se a Abraão, a Isaque e a Jacó, ou contar-lhes que Jesus era o Filho de Davi, e o Messias prometido há tanto tempo. Eles não o entenderiam.
Realmente, o que Paulo disse foi um tanto semelhante ao que ele disse mais tarde a outro auditório totalmente pagão, os atenienses na Colina de Marte.
Primeiro, Paulo identificou-se com os seus ouvintes. “Somos homens sujeitos aos mesmos sentimentos.” É claro que ele queria que todos soubessem que ele não era um deus e que deveriam parar com aquela história de sacrifício. Mas, além disso, ele se esforçava para estabelecer uma ponte entre ele e seu auditório. A única vez nas Escrituras em que esta expressão é repetida é na Epístola de Tiago, onde se descreve o profeta Elias do Antigo Testamento como um homem “sujeito aos mesmos sentimentos”. Como os judeus do primeiro século tinham a tendência de considerar Elias um ser sobrenatural, Tiago lhes disse que Elias tivera as mesmas emoções e sentimentos que eles tinham. Ele também tinha sido apenas um homem.
A seguir, Paulo disse aos habitantes de Listra a sua atividade. Verdadeiramente, ele informou ser portador das Boas Novas. Paulo e Barnabé eram portadores das Boas Novas, evangelistas.
Timóteo sabia muito bem que boas novas, ou boas notícias, era artigo raro em Listra. A cidade já não se encontrava no seu apogeu, e o povo não era próspero. Listra tinha mais mendigos, soldados e pastores de ovelhas do que o normal; mas não tinha visto muitos portadores de boas notícias nos últimos tempos.
Aqueles que ouviram cuidadosamente as palavras de Paulo – e, por certo, não deveriam ser muitos – deviam ter notado que o Deus de Paulo era, sem dúvida, diferente dos deuses deles. Ele demonstrava interesse pelo ser humano, o que era uma idéia revolucionária. Não era um deus inconstante que gostava de divertir-se com a criação, nem um deus ausente em longas férias. O Deus de Paulo se interessava pelas necessidades físicas diárias da humanidade, e, ainda mais, se importava com as necessidades morais e espirituais do homem.
O que Paulo fez aqui pode ser denominado de pré-evangelização. Ele preparou o terreno para que Timóteo ou Eunice, ou outro novo convertido, plantasse uma semente em terreno fértil. Mais tarde Paulo disse aos coríntios: “Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus” (I Coríntios 3:6). Em Listra, entretanto, Paulo estava dando um passo preliminar.
Alguém que tivesse ouvido Paulo falar naquela ocasião poderia ter perguntado: “O senhor diz que Deus se interessa; como é que ele tem demonstrado esse interesse? O senhor diz que Deus se revela ao homem. O seu Deus já veio alguma vez à terra como Júpiter e Mercúrio para habitar entre os homens?” E então seria a vez de Timóteo ou outro cristão começar a comunicar todo o plano de Deus.
Às vezes achamos que precisamos transmitir a história completa do evangelho em todas as oportunidades, como se não acreditássemos que o Espírito Santo é bastante poderoso para controlar toda situação. Empurrando alimento demais garganta abaixo, podemos provocar uma indigestão espiritual. Precisamos ser fiéis com o nosso testemunho e aproveitar cada oportunidade que se apresente, mas não precisamos nos sentir culpados se Deus abrir apenas uma pequena fresta.
Apesar dos protestos de Paulo, a multidão não se convenceu facilmente de que ele e Barnabé não eram deuses. A barreira da língua pode ter sido uma das causas. Mas finalmente o tumulto cessou, e as festividades programadas para honrar as “divindades” visitantes foram abandonadas.
Deve ter sido um dia decepcionante para Paulo. Tudo começou tão bem como um milagre, mas acabou em confusão. Metade da multidão não o entendeu e a outra metade parecia não ter acreditado nele.
Isso é o que deve ter parecido a Paulo. Mas para o adolescente Timóteo o acontecimento deve ter sido incrivelmente emocionante, um dia incrível na vida de um novo cristão. E a emoção ainda não havia terminado.
Falamos hoje do culto dos heróis e dos ídolos da adolescência.até mesmo nos círculos cristãos, celebridades são colocadas em pedestais, como bustos aos deuses gregos. Animadores de televisão e atletas recém-convertidos são proclamados como se tivessem vindo dos céus. As pessoas ouvem as suas afirmações como o néctar dos deuses gotejasse constantemente dos seus lábios.
Naquele momento em Listra, Paulo foi o ídolo de Timóteo. Se Paulo tivesse permitido que a bajulação do povo continuasse, ela teria sido um perigo, não somente para ele próprio como também para o jovem Timóteo. Paulo era um líder, mas não um deus. Ele podia ser seguido, mas não adorado. As suas palavras deviam ser consideradas, mas não reverenciadas. Quando falava, não era sobre si mesmo, exceto para se identificar como portador das Boas Novas do grande Deus. Quando uma pessoa é exaltada, é preciso que tenha muito cuidado para não obscurecer o filho, aquele que declarou: “E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo”. (João 12:32).

Mais visitantes chegam a Listra

 Não muito depois, outros visitantes chegaram a Listra. Talvez tivessem ouvido algo sobre o que ali acontecera. Ou talvez tivessem ouvido descrições de Paulo e Barnabé e os reconhecessem como os homens que haviam sido expulsos de Antioquia e Icônio algumas semanas antes. Se os habitantes de Listra tivessem tido alguma dúvida sobre a identidade dos dois mestres itinerantes, estes novos habitantes estavam aptos a dar-lhes a informação na hora.
É provável que os zelosos visitantes tenham mencionado que o castigo judaico de apedrejamento havia sido autorizado pelos romanos para os judeus que tinham profanado o templo; Paulo e Barnabé tinham quase profanado o templo de Júpiter em frente à cidade de Listra. Então o alvoroço recomeçou.
Pedras começaram a chover sobre Paulo. À medida que caíam sobre ele, deve ter-se lembrado de Estêvão, o primeiro mártir cristão. Naquela ocasião, Paulo havia consentido naquele apedrejamento e estava suficientemente perto de Estevão para ouvi-lo orar, dizendo: “Senhor, não lhes imputes este pecado” (Atos 7:60). Agora era Paulo quem caía sob uma saraivada de pedras.
À medida que os habitantes de listra lhe atiravam pedras, é possível que Paulo reconhecesse a fisionomia de alguns que estiveram prontos a endeusá-lo pouco tempo antes. É possível que ele se tenha lembrado de como o próprio Senhor fora levado para dentro de Jerusalém aos gritos de ‘Hosana” e depois escarnecido no trajeto para fora da cidade com os brados de “Crucifica-o, Crucifica-o”. Jesus dissera: “...o servo não é maior do que seu senhor” (João 13:16). Agora era a vez de Paulo enfrentar a morte nas mãos de uma turba instável.
Timóteo – o impressionável Timóteo – devia estar por perto. Não fazia muito tempo que ele conhecia Paulo, mas durante aqueles dias ele com certeza desenvolveu uma profunda afeição para com aquele homem que era 30 anos mais velho.
Nunca na vida de Timóteo aconteceu tanta coisa em tão pouco tempo. Como os adolescentes em todos os tempos e em todas as partes do mundo, ele provavelmente tinha se queixado: “Nada acontece por aqui.”
Não há dúvida de que ele tinha razão em se queixar. Listra certamente não era uma cidade cheia de atrativos para um jovem de 16 anos.
Mas, com Paulo e Barnabé vieram os acontecimentos, e muitos. Paulo e Barnabé fizeram com que coisas acontecessem. Não somente Timóteo se havia tornado cristão, mas também tinha começado a seguir a Paulo por toda a parte, ouvindo-o, observando-o, prestando atenção nele, absorvendo o conhecimento desta nova fé.
Então veio aquele dia emocionante em que o aleijado foi curado e a multidão queria fazer sacrifícios em honra de Paulo e Barnabé. Quanta emoção!
E depois o apedrejamento. Paulo, o homem que tinha trazido vida espiritual para Timóteo, jazia imóvel sobre o cascalho do lado de fora da cidade, para onde os homens haviam-no arrastado. Vida e morte tão perto uma da outra.
Era isto ser cristão? Era isto o que esperava, se Timóteo seguisse o exemplo de Paulo?

Grandes esperanças

O Cristianismo geralmente desperta grandes esperanças, algumas delas falsas.
O que você espera do Cristianismo? É Jesus Cristo uma poção mágica? Será que o resto da sua vida será livre de problemas?
Se Timóteo tivesse feito estas perguntas, ele teria encontrado respostas amargas quando viu Paulo bombardeado com pedras.
Se Eunice teve algumas dúvidas sobre a vida de segurança e satisfação que os eu filho Timóteo teria como discípulo de Jesus Cristo, ela também foi sacudida pela realidade daquele dia.
Fico impressionado com a coragem daquele pequeno grupo de novos cristãos que se reuniram ao redor do apedrejado apóstolo. Conforme a tradição da igreja primitiva, Timóteo foi um deles. A turba enfurecida que tinha acabado de apedrejar Paulo podia ter-se voltado contra aquele pequeno número de cristãos.
E o que pensar destes novos convertidos de Listra? Não lhes seria prudente reavaliar os compromissos assumidos? Afinal de contas, eles teriam de conviver com os vizinhos na mesma comunidade o resto de seus dias. Nesse ponto, teria sido fácil retornarem eles ao seu antigo modo de Cida. Mas Timóteo não pensou assim. Ele podia não ser muito forte, e até mesmo tímido, mas era fiel. Podia-se contar com ele no lugar certo, na hora certa. E, naquele momento, o lugar certo era ao lado de Paulo.
Que surpresa para os novos convertidos! De repente, do meio dos cascalhos, a forma aparentemente sem vida começou a se mover. As pálpebras se abriram e os músculos se contorceram. ‘Rodeando-o, porém, os discípulos, levantou-se e entrou na cidade” (Atos 14:20).
A tradição diz que Paulo ficou naquela noite na casa de Eunice e Lóide, a mãe e avó de Timóteo.
Anos mais tarde, em sua segunda epístola a Timóteo, Paulo lembra ao seu “filho na fé” que “todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos”. E ele se refere a perseguições e sofrimentos, “quais me aconteceram em Antioquia, Icônio e Listra. Que variadas perseguições tenho suportado! De toda, entretanto, me livrou o Senhor!” (2 Timóteo 3:11-12). Deus livrou-o em Listra?
O grande comentador G. Campbell Morgan escreveu:
De Antioquia foi permitido a Paulo que escapasse e fosse preservado. Em Icônio, Deus governou as circunstâncias; ele foi avisado e escapou. Mas, não escapou da perseguição em Listra. Não podemos dizer que Deus tenha tomado conta dele em Antioquia e em Icônio e que não tomou conta de Paulo em Listra. Em Antioquia e Icônio, ele o libertou salvando-o das pedras. Em Listra libertou-o através do apedrejamento... Algumas vezes a única libertação que Deus pode operar a nosso favor é por intermédio das pedras e por intermédio da fornalha.

Os missionários prosseguem

Uma despedida não costuma ser fácil, mas para Timóteo dizer adeus a Paulo deve ter sido grandemente difícil. Será que ele ainda veria este homem destemido algum dia?
Paulo tinha vindo a Listra quando se recuperava de uma doença; ele deixou a cidade um dia depois de ter sido apedrejado e deixado no cascalho do lado de fora da cidade. Para Timóteo, Paulo deve ter parecido um intrépido guerreiro que jamais sucumbiria a achaques físicos.
Pense em Timóteo enquanto via Paulo, talvez com ajuda de Barnabé, sair mancando para fora dos portões da cidade, pela estrada Imperial, e desaparecer ao longe no seu caminho para Derbe, a próxima cidade, a mais de 96 km para o sudeste.
Sem dúvida Paulo disse que planejava voltar a Listra tão cedo quanto possível. Mas quando seria isso? Voltara mesmo algum dia? Com a inclinação que Paulo tinha de provocar tumultos, talvez não conseguisse passar de Derbe.
Não fazia sentido Paulo voltar a Listra num futuro próximo. Uma das razões seria que ele acabara de ser apedrejado pelos habitantes da cidade. E a outra razão seria o fato de Derbe estar no caminho de volta para Antioquia, na Síria; e na metade do caminho entre Derbe e Antioquia ficava Tarso, a cidade natal de Paulo. Portanto, teria sido tentadora a idéia de continuar para o leste em direção a Antioquia.
Paulo, entretanto, não tomou o caminho mais curto para casa. Talvez por causa das condições climáticas; as neves de inverno fechavam frequentemente os Portões da Cilícia na cadeia de montanhas do Tauro (Ásia Menor), através dos quais, Paulo teria de passar na sua trajetória para Tarso. Acontece, também, que Paulo tinha um profundo interesse pelas recém-fundadas igrejas. Ele queria assegurar-se de que aquela perseguição não abafara o entusiasmo dos novos convertidos.
Assim, depois de um ministério frutífero em Derbe, Paulo voltou passando por Listra, Icônio e Antioquia da Pisídia, encorajando os crentes, avisando-os de que mais perseguições viriam, e organizando-os em comunidades estruturadas. Os líderes das igrejas, escolhidos pelo povo, foram confirmados e ordenados por Paulo.
Desta vez a visita de Paulo não deu manchetes. Talvez porque o seu ministério foi dirigido principalmente para as jovens igrejas. Ou, talvez, porque os dirigentes romanos das cidades tenham mudado enquanto Paulo trabalhava em Derbe. De qualquer maneira, Timóteo deve ter ficado encantado e impressionado ao ver este homem voltar corajosamente a Listra somente alguns meses depois de ter sido ali apedrejado.
Quando Paulo contou ao pequeno rebanho de Listra que através de muitas tribulações é que eles entrariam no reino de Deus (Atos 14:22), era óbvio para Timóteo que Paulo, através da sua própria experiência pessoal, sabia o que falava.
Adolescente algum aguarda ansiosamente uma vida de tribulação. Entretanto, era esta a previsão que Paulo tinha para Timóteo: “Hoje o dia está ensolarado, mas amanhã pode haver nuvens de tempestade.” Um líder cristão que faça outro prognóstico não conhece a Bíblia.
Para Timóteo, era um desafio que lhe parecia grande demais. Isto seria o suficiente para dar a qualquer pessoa o complexo de Timóteo.
·                     Por que Deus não reduz os problemas conforme a minha capacidade?
·                     Ele não sabe que não sou nenhum gigante espiritual?
·                     De que vale tornar-me cristão se isso me há de conduzir a uma vida inteira de provações?
Boas perguntas. O que adiante querer tornar-se ouro puro, se para isso é mister que se passe pelo cadinho?
Sim, Paulo deixou Timóteo com muito o que pensar. Outro jovem, Marcos, não gostando de grandes problemas, havia desistido.

Será que Timóteo também desistiria?

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