domingo, 10 de julho de 2016

Cap. 8 - O Significado das Letras Vermelhas

Cap. 8

O Significado das Letras Vermelhas

Quando garoto eu tinha uma edição da Bíblia com as palavras de Jesus em letras vermelhas. Algumas palavras vermelhas surgiam onde eu menos esperava.
Como as letras vermelhas indicavam as palavras de Cristo, a maioria ficava nos Evangelhos, algumas no primeiro capítulo de Atos antes da ascensão do Senhor, e ainda outras no Apocalipse, recordando as palavras de Jesus a João, o discípulo amado, em sua notável visão.
Mas nos 148 capítulos do Novo Testamento que se encontram entre Atos 1 e Apocalipse, não havia muitas letras vermelhas.
Uma exceção, entretanto, era Atos 20:35: “Mais bem-aventurado é dar do que receber”.
Eu costumava perguntar-me qual a razão daquelas palavras vermelhas isoladas em Atos.
Quando deixamos Paulo e Timóteo no fim do último capítulo, eles se encontravam em algum lugar na Via Inácia, parte da rodovia mais movimentada de Roma. Enquanto Paulo escrevia a carta D aos coríntios (que chamamos de Segunda aos Coríntios), ele tinha os olhos voltados para o Oeste, ao longo da Via Inácia em direção a Roma, a capital do mundo, e ainda além em direção à Espanha ao oeste do Mediterrâneo.
Quando o apóstolo Paulo determinava ir a algum lugar, era muito difícil fazê-lo mudar de idéia.
De fato, depois de receber o relatório de Tito sobre a igreja de Corinto, e provavelmente após escrever a Segunda Epístola aos Coríntios em Filipos (ou em Tessalônica), Paulo e Timóteo iniciaram a longa jornada rumo oeste na Via Inácia, mais ou menos 320 km até ao Ilírico, província extremo-oeste da Grécia que se defrontava com a Itália, através do Mar Adriático.
Depois de pregar por algum tempo no Ilírico, Paulo e Timóteo desceram até Corinto, ficando aí uns três meses. Escreveu a Epístola aos Romanos, com a sua sistemática apresentação das grandes doutrinas do Cristianismo.
Embora nunca tivesse estado em Roma, Paulo muito sabia sobre ela. Priscila e Áquila, que ele encontrara pela primeira vez nos alojamentos dos fabricantes de tendas de Corinto, e que depois o ajudaram em Éfeso, estavam agora de volta à sua sede de negócios em Roma. (O velho imperador Claudio acabara de falecer, não havendo tanto perigo em voltar para lá.) Priscila e Áquila tinham, sem dúvida, aguçado a vontade de Paulo de visitar a igreja da grande capital.
Todavia, o seu verdadeiro objetivo era a Espanha, e não Roma, como ele francamente disse aos cristãos romanos: “...e desejando há muito visitar-vos, penso em fazê-lo quando em viagem para a Espanha, pois espero que de passagem estarei convosco e que para lá seja por vós encaminhado, depois de haver primeiro desfrutado um pouco a vossa companhia” (Romanos 15:23-24).
Quem sabe aonde mais Paulo pretendia ir? Talvez até a Gália; talvez até mesmo à posição avançada do longínquo noroeste: a Bretanha.
O que o impedia? Por que não tirava informação sobre os navios que se dirigiam para o Oeste? Porque ele já tinha reservado acomodação num navio que ia para o Leste. Leste? Sim, havia algo muito mais importante naquele momento do que pregar e ensinar o evangelho em Roma. Timóteo sabia disso havia três anos. Ele sabia que nada deteria Paulo do seu projeto favorito.
Era até mais do que um projeto favorito; era realmente uma grande operação. Envolvia todas as igrejas que Paulo tinha fundado até então. Cada uma contribuiria para um grande fundo de assistência a ser levado para os membros pobres da igreja de Jerusalém.

Necessidade financeira em Jerusalém

A preocupação de Paulo remontava a dez ou mais anos quando a igreja cristã de Antioquia incumbiu-se de um programa de assistência aos pobres da igreja de Jerusalém. Paulo e Barnabé foram designados mensageiros pela igreja de Antioquia para levar o dinheiro aos “irmãos que moravam na Judéia” (Atos 11:29).
Quando mais tarde houve certa desavença com a igreja de Jerusalém, Pedro, Tiago e João sugeriram a Paulo que a melhor coisa a ser feita seria que “lembrássemos dos pobres”, a que Paulo afirma “o que também me esforcei por fazer” (Gálatas 2:10).
Na sua viagem mais recente a Jerusalém, Paulo deve ter sido novamente movido pela grande necessidade financeira do povo. O Novo Testamento quase nada relata sobre esta visita, mas desde aquela ocasião Paulo começou a falar sobre uma campanha de assistência especial para os cristãos de Jerusalém.
Temos a tendência de pensar que o povo dos tempos bíblicos tinha o mesmo padrão de vida a que estamos acostumados atualmente. Mas não era essa a realidade, como Henri Daniel Rops destaca: “Não se pode esquecer que em Israel, naquela época, havia uma classe proletária, e até uma classe abaixo desta, constituída de trabalhadores mal pagos (um denário por dia; quatro ou cinco no máximo), diaristas com ameaça permanente de desemprego... os escravos libertos cujos patrões nem sempre lhes davam a pequena soma que a lei lhes outorgava, indigentes pelas ruas e, é preciso lembrar, leprosos e aleijados para os quais não havia hospital. Foi no meio deste pobre povo desprezado, destes proscritos, que a mensagem de Cristo primeiro se espalhou e começou a se espalhar.”
Isso era o que acontecia em tempos normais. Como seria a vida deles durante uma séria depressão econômica? Como Rops diz: “A crise econômica do primeiro século tornou a miséria ainda pior.”
Quando Paulo chegou a Jerusalém depois de ter passado dois anos nas prósperas cidades de Corinto e Éfeso, ele deve ter ficado muito chocado com o contraste.
Imediatamente surgiu o gigantesco plano. Quando Paulo foi à Galácia no ano 52 da era cristã, levando consigo Timóteo, disse aos gálatas o que acontecia e provavelmente disse que Timóteo voltaria em um ano para receber deles uma oferta. Escreveu em sua Primeira Epístola aos Coríntios: “Quanto à coleta para os santos fazei vós também como ordenei às igrejas da Galácia” (I Coríntios 16:1). Escrevendo aos romanos (que não faziam parte do grande esquema, porque a igreja deles não foi fundada por Paulo), ele lhes explicou como era feita a arrecadação. “Isto lhes pareceu bem, e mesmo lhes são devedores; porque se os gentios têm sido participantes dos valores espirituais dos judeus, devem também servi-los com bens materiais” (Romanos 15:27).
Não há dúvida; o assunto estava de contínuo na mente de Paulo.

Por que tirar coleta, Paulo?

Se eu fosse Timóteo, teria feito umas perguntas para Paulo, quando o assunto surgiu pela primeira vez:
1.    Por que perder tempo em tirar coleta quando há tantas coisas mais importantes a serem feitas, tais como ganhar almas para Cristo?
2.    Por que perturbar os cristãos novos? Não há coisa que irrite mais as pessoas do pedir-lhes oferta. Estas novas igrejas já estão cercadas de muitos problemas; por que acrescentar mais um?
3.    A maioria dos novos cristãos está também sofrendo os efeitos da pobreza. Será justo sobrecarregá-los ainda mais com um apelo para dar a outros pobres? Ou talvez você pudesse dispensar os pobres cuja renda não fosse mais do que dois denários por dia.
4.    Já que está insistindo em tirar coleta, Paulo, por que não pensar em outro apelo? Há muitos motivos pelos quais não faz sentido dar ofertas a Jerusalém.
·          Desde que você se converteu, Paulo, a igreja tem-no feito passar maus pedaços. Se eles têm problemas, decerto os merecem. Pode ser que Deus esteja castigando a igreja pelo modo como o trataram. Por que eles lhe dão tantos aborrecimentos?
·         Já que está tirando coleta, por que não usá-la para pagar a sua viagem até a Espanha? Você poderia começar uma missão chamada “Sociedade Missionário do Além-Mar” e conseguir bastante dinheiro para assegurar uma temporada inteira de trabalho missionário na Espanha para voe e para mim.
·         Não seria mais popular (e mais lucrativo a longo prazo) você encorajar cada igreja a começar um fundo de construção de modo que tivessem um lugar apropriado onde ouvir a Palavra de Deus?

É por isso, Timóteo

 Paulo havia ensinado a Timóteo muita coisa sobre prioridades, organização e estratégia durante os últimos seis ou sete anos que tinham trabalhado juntos. Todavia, jamais todos estes assuntos combinaram com mais eficácia do que na coleta de ofertas para os santos necessitados de Jerusalém.
A coleta não era somente um ato de compaixão e caridade; era também um instrumento de ensino. Voltemos às hipotéticas perguntas e vejamos como Paulo as teria respondido:
1.    A minha principal prioridade não é salvar almas, mas estabelecer igrejas. Se eu estivesse apenas interessado em salvar almas, eu não teria escrito nenhuma epístola.
2.    Uma das principais coisas que os novos cristãos precisam entender é que eles fazem parte de um corpo composto de muitos membros, e que estes membros devem amar e cuidar uns dos outros. Este corpo é mais claramente visível na igreja local; foi por isso que fiquei tão aborrecido quando os coríntios estavam dividindo o corpo. Mas, em segundo lugar, este corpo também é visto na unidade de todos os crentes onde quer que estejam. Lembre-se sempre destas duas coisas: A igreja é o corpo de Cristo, e é um só corpo.
3.    Você disse que estes novos cristãos não são ricos. É verdade; mas não se esqueça de que não é o que recebe, mas o que dá, que é o primeiro a ser abençoado. A motivação para dar não é porque você tem os recursos e deve dar, mas porque alguém não tem e você ama esse alguém.
4.    Sim, eu sei que não tem sido fácil lidar com a igreja de Jerusalém, mas aqueles cristãos também precisam ter conhecimento da autenticidade do corpo de Cristo. É preciso que eles saibam que estão no mesmo corpo que os coríntios, por exemplo, e que há um laço que nos une, não importa que sejamos judeus ou gentios, escravos ou livres, homens ou mulheres, brancos ou pretos, ricos ou pobres, brilhantes ou obtusos.
·         Você diz que a igreja de Jerusalém não merece. Talvez não, mas você não vê que isso é que é o Cristianismo? Deus nos mandou seu Filho não porque o merecêssemos, mas porque ele nos ama. Se deus nos desse aquilo que merecemos, ele já teria nos mandado o fogo da destruição há muito tempo.
Jesus disse aos discípulos diversas vezes que amassem uns aos outros. Ele disse: “nisso conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (João 13:35). Precisamos demonstrar esse amor.
·         Deste modo você vê que na promoção da obra de Deus nada há mais importante do que a manifestação do amor cristão entre as igrejas, nem mesmo a pregação do evangelho na longínqua Espanha.
·         Quanto à necessidade de construir igrejas, isto apenas faria com que estes novos cristãos se concentrassem mais em si mesmos. No momento eles estão preocupados demais com seus próprios insignificantes problemas. Eles têm necessidade de pensar em coisas maiores, em algo além deles mesmos. Eles precisam começar a pensar nas necessidades dos outros.
·         Você questiona o Fundo de Assistência a Jerusalém. Quanto mais penso sobre isso, tanto mais me convenço de que não somente é a coisa certa a fazer, mas também de alta prioridade.
De fato, não sei o quanto destas considerações Paulo realmente teria dito a Timóteo, mas lendo-se II Coríntios, capítulos 8 e 9, encontra-se muitos destes mesmos argumentos nas próprias palavras de Paulo.

A justificativa de dar

Tempos atrás, quando Paulo escreveu a sua primeira carta à igreja de Corinto, ele principiou o movimento. Disse-lhes que a oferta tinha de ser regular, “no primeiro dia da semana” como parte do culto; deveria ser proporcional, “conforme a sua prosperidade”; e isto aplicava-se a todos, “cada um de vós”, rico ou pobre (I Coríntios 16:2).
Nos 12 meses seguintes, os cristãos de Corinto tiveram alguns outros problemas a ocupar-lhes a mente. Portanto, quando Paulo escreveu a segunda epístola, ele teve de animá-los um pouco: “completai agora a obra começada” (2 Coríntios 8:11).
Antes, não há dúvida, ele tinha explicado claramente a grande necessidade dos cristãos de Jerusalém; agora ele apresentava mais quatro motivos:
1.    As igrejas pobres da Macedônia já tinham contribuído; haviam compartilhado da sua pobreza; não poderiam vocês compartilhar da sua abundância?(8:1-5).
2.    Como igreja, vocês possuem muitos dons espirituais; por que não cultivar também o dom de dar? (8:6-7). Logo depois, ao escrever aos romanos, Paulo incluiu a contribuição na lista dos dons do Espírito (Romanos 12:6-8).
3.    Não há exemplo maior de dar do que o exemplo de Jesus cristo. Visto que ele deu tudo a você, por que você se recusa a dar ao seu irmão? (2 Coríntios 8:8-9). Este foi o argumento máximo. James Stewan refere-se a ele como usar uma marreta para quebrar uma noz.
4.    A contribuição é um modo de igualar as posses; se vocês, como membros da igreja cristã, a prenderem a mar uns aos outros, então algum dia no futuro, quando a depressão econômica atingir Corinto, vocês receberão auxílio dos outros.

A organização é necessária

Paulo sabia como convencer. Mas Timóteo aprendeu muito mais do que uns poucos argumentos a favor da contribuição durante o trabalho de assistência a Jerusalém. Aprendeu algo sobre organização
Ouve-se, às vezes, dizer que sendo a pessoa verdadeiramente espiritual, não precisa de organização. Insinua-se que a organização é um obstáculo à obra do Espírito.
Tenho de admitir que às vezes isso é verdade. É possível que igrejas e organizações cristãs fiquem tão presas a formalidades burocráticas, que os seus regulamentos chegam a exercer mais autoridade do que a Bíblia, e as reuniões de oração são substituídas pelas de comissões disto e daquilo.
Mas o apóstolo Paulo tinha a organização em alto apreço. Se Timóteo quisesse seguir as pegadas de Paulo, seria bom que ele também aprendesse a organizar.
Ao fundar uma igreja, Paulo fazia questão que ela fosse organizada corretamente. Timóteo sabia disso muito bem por ter aprendido com Paulo. E, se quisermos falar sobre uma organização de fato eficiente, basta olhar para o Fundo de Assistência a Jerusalém.
No mundo de hoje, as pessoas acostumaram-se a dar. Nos dias de Paulo, contudo, não havia Cruz Vermelha ou qualquer outra assistência. Uma multidão de pedintes postava-se á entrada da cidade, e era essa a única maneira que as pessoas tinham de aprender a dar voluntariamente.
Se a pessoa tivesse de levantar fundos entre 8 a 10 igrejas espalhadas em diversas províncias e separadas até por 16000 km de distância, como é que ela procederia?
Bem, eis aqui o que Paulo fez. Aproximadamente um ano antes do Dia da doação, a cada igreja foi notificado o projeto, e foi-lhe dada oportunidade de nomear um delegado (ou aprovar a pessoa indicada por Paulo) para levar a oferta a Jerusalém. Em alguns casos, Paulo escreveu cartas com outras instruções e enviou pessoas para verificar como se fazia o trabalho nas diversas igrejas. Parece que todos os delegados deviam encontrar-se em Corinto num dia específico, provavelmente no começo de março, no ano 57 da era cristã.
Tudo foi organizado com a precisão de uma operação comercial do século 20.

Para a festa de Pentecostes

Por que esta data era tão importante? Isso também fazia parte do plano de Paulo. Ele queria chegar a Jerusalém para a festa de pentecoste, no fim de maio daquele ano.
Pentecoste era uma época de regozijo, quando se esperava que todos os judeus fossem a Jerusalém para levar os primeiros frutos dos campos e hortas da colheita da primavera como uma oferta ao Senhor. Era uma espécie de “Dia de Ação de Graças” judaico.
É claro que os cristãos de hoje reconhecem o dia de Pentecoste como o aniversário da igreja cristã (Atos 2:1), mas não há dúvida de que Paulo tinha em mente o significado do Antigo Testamento. Ao ir a Jerusalém, ele estaria levando os primeiros frutos do seu ministério entre os gentios e cada um deles estaria trazendo uma oferta.
Os gentios do seu grupo de delegados não entendiam o significado e o simbolismo de tudo aquilo, mas pode-se ficar certo de que Timóteo o entendia. Talvez Paulo e Timóteo até mesmo imaginassem serem estas as primícias do cumprimento de profecias tais como: “Certamente as terras do mar me aguardarão; virão primeiro os navios de Tarsis para trazerem teus filhos de longe e com eles a sua prata e o seu ouro para a santificação do nome do Senhor, teu Deus, o Santo de Israel” (Isaías 60:9).
Timóteo participou do processo de levantamento de fundos em diversos lugares. Como delegado da igreja de Listra, ele estava presente quando Paulo fez ali pela primeira vez o apelo à igreja. Por certo, um ano ou dois mais tarde, ele voltou para receber os fundos recolhidos na sua própria igreja.
Mais tarde, Timóteo foi mandado com Erasto para a Macedônia (Atos 19:22), e parte do seu objetivo deve ter sido verificar se o levantamento de fundos em Filipos e Tessalônica seguia como planejado. Se este Erasto foi mesmo aquele Erasto que mais tarde se tornou o tesoureiro da cidade de Corinto (Romanos 16:23), ele foi um companheiro mais do que acertado para Timóteo nessa missão de arrecadação de fundos.
Apesar de todos os planos detalhados de Paulo, ele receava que aparecessem alguns problemas. Foi, provavelmente, em fevereiro do ano 57 da era cristã que ele escreveu a Epístola aos Romanos, na qual suplica aos cristãos de lá que orem por ele. “Rogo-vos...que luteis juntamente comigo nas orações a Deus a meu favor” (romanos 15:30). Em março, quando ele e o seu grupo de seis ou oito delegados estavam prontos para navegar até Jerusalém, Paulo descobriu que havia uma trama contra sua vida. A bordo de um navio lotado, Paulo teria sido um alvo fácil. Por essa razão, ele mudou seus planos de viagem repentinamente. A maioria dos delegados tomou o navio para a primeira parada do percurso, o porto de Trôade; Paulo, Lucas, e talvez Tito, foram por terra a Filipos e depois fizeram uma curta viagem de navio a fim de encontrar os outros em Trôade. Felizmente, Paulo havia deixado uma grande margem no seu programa para problemas menores, tais como conspirações contra sua vida.

Uma parada em Éfeso

A parada seguinte foi ao descer a costa do mar Egeu, perto de Éfeso, e Paulo não pode deixar de aproveitar a oportunidade para convocar os presbíteros da igreja dos efésios para um encontro com ele. Num sermão comovente, disse-lhes: “E agora, constrangido em meu espírito, vou para Jerusalém, não sabendo o que ali me acontecerá, senão que o Espírito Santo, de cidade em cidade, me assegura que me esperam cadeias e tribulações” (Atos 20:22-23). E então acrescentou: “Nem um de vós verá meu rosto novamente” (Atos 20:38).
Podemos ficar certos de que todos em Éfeso tinham os olhos rasos d’água. Mas a pergunta que não chegava a ser feita era: “Se você sabe que cadeias e tribulações o esperam em Jerusalém, por que insiste em ir até lá?”
Quase percebendo uma pergunta como esta, Paulo conclui suas palavras aos presbíteros de Éfeso com as palavras de Jesus: “Mais bem-aventurado é dar do que receber” (Atos 20:35). (Lembram-se das letras vermelhas com as quais eu me maravilhava quando garoto?)
Bem, a bem-aventurança não é aquele tipo de felicidade superficial que sentimos ao nos divertirmos ou ao termos uma boa vida. É a felicidade a que Cristo se referiu naquelas palavras que chamamos de Bem-aventuranças: “Bem-aventurados os mansos, bem-aventurados os que choram, bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça (Mateus 5).
É uma felicidade mais profunda, uma felicidade acerca da qual um discípulo sincero como Timóteo ainda teria muito que aprender.
Depois de Paulo ter falado, “houve grande pranto entre todos” (Atos 20:37), e podemos ficar certos de que os companheiros de Paulo na viagem a Jerusalém também tiveram a sua parte no pranto.

A caminho de Jerusalém

Teria sido mais fácil, e também muito mais prudente ir para o Oeste em direção de Roma em vez de ir para o Leste em direção de Jerusalém. Mas, para Paulo, a entrega da coleta aos pobres de Jerusalém era de suma importância. Como disse aos presbíteros de Éfeso: “Em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus” (Atos 20:24).
Não me surpreende que Paulo tivesse continuado a viagem para Jerusalém. O que me surpreende é que nenhum dos delegados tenha desistido de ir. Teria sido a hora apropriada para um deles contraírem uma enfermidade psicossomática. Afinal de contas, Timóteo tinha problemas de estômago.
Chegados à Palestina uma semana mais tarde, receberam outro aviso sinistro. Na cidade de Tiro, os cristãos recomendaram a Paulo que não fosse a Jerusalém. Suas súplicas não pareciam perturbar a Paulo. Como ainda estavam no princípio de maio, Paulo e sua equipe descansaram ali por uma semana antes de seguir caminho. Dois dias depois pararam em Cesaréia, a apenas 96 km de Jerusalém. Encontraram aí um profeta vindo diretamente da Judéia. De modo dramático, o profeta pegou o cinto de Paulo e, ligando com ele suas próprias mãos e pés, declarou: “Assim farão ao dono deste cinto” (Atos 21:10-11).
Paulo devia ficar abalado com este aviso. Principalmente porque uns 10 ou 12 anos antes, este mesmo profeta tinha predito uma fome em toda a Judéia (Atos 11:28). Foi a sua profecia que inspirou a igreja a angariar o primeiro Fundo de Assistência à Fome de Jerusalém. E agora, depois de todos esses anos, ele apareceu de novo, justamente quando Paulo estava prestes a entregar outro fundo de assistência.
Para Timóteo e os outros delegados, esta foi a última gota. Talvez essa ida a Jerusalém fosse um erro de Paulo, raciocinavam. Era possível que Deus nem mesmo o quisesse em Jerusalém. Talvez fosse bom Paulo ficar para trás enquanto os delegados prosseguissem para entregar as ofertas aos líderes de Jerusalém. A maioria deles não era conhecida em Jerusalém.
Por isso, junto com os cristãos de Cesaréia, incluindo-se Filipe e suas quatro filhas, todas profetisas, os delegados suplicaram a Paulo que não fosse tão teimoso. Então ele não via que o Espírito Santo lhe estava revelando que não seguisse adiante? Até Timóteo discordava da decisão de Paulo de ir à Jerusalém.
Quando até os seus amigos mais chegados lhe suplicaram que mudasse o trajeto, Paulo teve de responder. E qual foi a resposta? “Que fazeis chorando e quebrantando-me o coração? Pois estou pronto não só para ser preso, mas até para morrer em Jerusalém, pelo nome do Senhor Jesus” (Atos 21:13).
Paulo estava decidido. Sabia o que o aguardava. Talvez ele sentisse algumas das mesmas emoções que Jesus sentiu quando fez a última grande caminhada da Galiléia até Jerusalém, sabendo que a cruz do Calvário esperava por ele.
E os seus amigos concluíram as suas argumentações com uma afirmação bastante reveladora: “Como, porém, não o persuadimos, conformados, dissemos: Faça-se a vontade do Senhor” (Atos 21:14).
Não sei se você já passou por uma situação como esta, mas eu já. Talvez você tenha uma opinião diferente. Você acha que Deus o está orientando para um rumo; seu amigo acha que Deus o está impelindo para outra direção. Você acha que todos os argumentos são a seu favor, mas o seu amigo não se deixa persuadir.
Você fica desapontado, é claro. Seu amigo não quer render-se à evidência. Você se desanima porque o seu conselho foi dado para o bem, e o amigo resolveu não fazer caso dele. Se os seus motivos fossem escusos, tudo bem. Mas você orou sobre o assunto e deu o conselho para o bem dele, e não para o seu próprio bem. Você está profundamente perturbado porque o amigo está decidido, apesar do seu sábio conselho, a meter-se em dificuldades. Você está triste por ele e pelo que indubitavelmente ele enfrentará.
É justamente isto que Timóteo, Lucas e os outros devem ter sentido.
Alguns comentaristas da Bíblia acham que, depois de Timóteo, Lucas e os outros delegados haverem discutido o assunto com Paulo, eles compreenderam que os eu mestre estava seguindo a vontade de Deus e eles não. Não concordo.
Acho que nesta altura eles não sabiam qual era a vontade do Senhor. Parecia-lhes que Paulo devia ficar em Cesaréia. Como, porém, Paulo estava certo de que deus queria que ele continuasse, eles disseram: “Faça-se a vontade do Senhor”, e foram com ele.
Não lhes foi fácil.
O que Deus revelou a Paulo não foi revelado a Timóteo. Isto não quer dizer que Timóteo fosse menos espiritual do que Paulo nesta altura dos acontecimentos. Apenas significa que Timóteo devia dizer: “Não entendo, Senhor; isso não faz sentido para mim, mas faça-se a tua vontade.”
Esta atitude pode ter sido tão difícil quanto a resolução de Paulo de seguir o caminho que Deus lhe havia traçado.
Então, os homens começaram a sua difícil jornada até Jerusalém. Eram 95 km de Cesaréia a Jerusalém, sempre subindo, porque Jerusalém está no alto das colinas a 800 metros acima do nível do mar. É possível que tenham conseguido cavalos para a última etapa da longa jornada, pelo menos para transportar a bagagem.
Imaginemos o que esta viagem deve ter sido para Timóteo. É provável que esta fosse sua primeira visita a Jerusalém. Durante toda a ida, sonhara em ir até lá, como todo jovem judeu. Quando Paulo lhe falou sobre o Fundo de Assistência a Jerusalém pela primeira vez, Timóteo deve ter ficado excitado com a possibilidade de ser um dos delegados. Aprovado os eu nome pela igreja de Listra, ele viu que o sonho da sua vida ia tornar-se realidade. Mas agora, toda a sua alegria tinha desaparecido.
O que esperava em Jerusalém? Qual seria o futuro de Paulo? E o que o futuro traria para Timóteo?
Chegados a Jerusalém, foram acolhidos calorosamente pelos irmãos, nada aconteceu de sinistro. Mas os delegados devem ter sentido a incerteza pesando-lhes no coração. Alguma coisa ainda havia de acontecer. Haviam-se entregado a Deus quando disseram: “Seja feita a vontade do Senhor”. Mas era perfeitamente humano cogitarem quais seriam os acontecimentos e como eles se dariam.
No dia seguinte ao da chegada, Paulo e os companheiros foram encontrar-se com Tiago, irmão de Jesus, que dirigia a igreja de Jerusalém. Lá também estavam reunidos todos os presbíteros da igreja.
Nessa ocasião festiva, os delegados devem ter entregado os fundos de assistência para os presbíteros da igreja e louvado a Deus. Paulo apresentou um relatório detalhado de tudo quanto Deus tinha feito entre os gentios através do seu ministério.

Agitação em Jerusalém

Até agora, tudo bem. Mas, dentro de uma semana, a situação mudou. Atendendo ao conselho dos presbíteros locais, Paulo tinha acompanhado quatro cristãos de Jerusalém que queriam cumprir um voto no templo. Os presbíteros acharam que a presença do apóstolo no templo deteria o rumor de haver Paulo renunciado às suas raízes judaicas.
O tiro saiu pela culatra. Ao invés de aplacara os boateiros, a presença de Paulo naquele local deu origem a novos rumores. De conformidade com o último deles, Paulo estava profanando o templo por ali introduzir gentios.
O que aconteceu depois disto foi o que sempre acontecia quando Paulo estava por perto: tumulto no templo, dramático resgate pelos soldados romanos, trama de morte por 40 assassinos, escolta de 500 militares levando Paulo de noite para a sede romana em Cesaréia.
Realizavam-se as profecias referentes às aflições. A prisão e o sofrimento de Paulo eram inevitáveis.
E quanto a Timóteo e os outros delegados? Numa cidade desconhecida, bombardeados por acontecimentos mais rápidos do que se podia pensar, Timóteo e os outros devem ter ficado confusos e perplexos.
Timóteo mais do que ninguém. Durante quase oito anos, ele havia sido o braço direito de Paulo. Contava agora 26 ou 27 anos, mas jamais havia trabalhado por conta própria. Mesmo quando viajara em diferentes missões para Paulo, estivera sempre sob suas ordens, e cumprira fielmente suas atribuições da melhor maneira possível. Sua última tarefa tinha sido trazer o fundo de assistência a Jerusalém, mas a missão já havia sido cumprida Timóteo estava sem função.
A maioria dos outros delegados tinha provavelmente, um trabalho que voltariam a fazer e, sem dúvida, procuraram entrar em contato com o próximo barco que os levaria para casa. Relatariam às suas igrejas haver cumprido com a sua missão, e pediriam orações por Paulo, que se achava encarcerado numa prisão romana em Cesaréia.
              Mas Timóteo fora treinado para ser missionário. A sua experiência maior era trabalhar com igrejas recém-formadas.
Dois dos delegados: Aristarco, representante de Tessalônica, e o Dr. Lucas, decerto representando Filipos, ficaram com Paulo em Cesaréia. Evidentemente, Aristarco ficou como um criado particular e Lucas como médico de Paulo.

E Timóteo? Que aconteceria com ele? Fico a pensar se Timóteo entendia o significado daquelas palavras em letras vermelhas que tantos anos atrás eu vi em Atos 20:35: “Mais bem-aventurado é dar que receber.”

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Cap 7 - Como triunfar em meio ao fracasso

Cap. 7

Como Triunfar em meio ao fracasso

Pode ser que o esforço de Timóteo não valesse uma nota muito alta, mas francamente, seu fracasso merecia um 10.
Você conhece a sensação. É provável que você se lembre de, cabisbaixo, entrar em casa com notas vermelhas no boletim, ou com um “insuficiente”; pôr o boletim sobre a mesa por baixo do jornal, na esperança de que ninguém preste atenção àquele papel. Ou, é como datilografar uma carta importante para o patrão, relendo-a com cuidado, e depois apresentá-la com orgulho para ser assinada. O patrão a lê e acha erros graves. É este o sentimento do fracasso.
É claro que há circunstâncias atenuantes. Em todo fracasso parece sempre  haver circunstâncias atenuantes.

Corinto

Em primeiro lugar, é preciso entender esta cidade. Corinto é o que se poderia chamar de circunstância atenuante. Se comparássemos Atenas ao Rio de Janeiro, por causa da sua história, educação e cultura, então Corinto seria comparada com São Paulo.
A população da cidade devia estar em torno de meio milhão de habitantes, mas os coríntios raramente paravam no mesmo lugar o tempo suficiente para ser recenseados. De qualquer forma, Corinto tinha menos de 100 anos, e crescia como um adolescente. De certo modo, era uma cidade mais romana que grega; para ser mais exato, era uma cidade que em tudo era mais do que as outras.
Corinto era uma cidade de marinheiros, uma cidade aberta, um porto marítimo comercial e uma cidade de trânsito, conexão entre o Leste e o Oeste, uma cidade cosmopolita e amante dos esportes. Era conhecida em todo o mundo pelos seus jogos Ístmicos. Qualquer pessoa que passasse nas suas ruas ouviria uma das línguas diferentes.
A 80 km a oeste de Atenas, e a 80 km a leste de Delfos, Corinto tinha inveja de ambas, achando que tinha a sabedoria de Atenas e o prestígio religioso de Delfos, mas não possuía nada disso.
Como diz E. M. Blaiklock: “Viciado, próspero, sem raízes profundas de tradição, o povo de Corinto tinha a tendência, com a facilidade das comunidades imigrantes, de aderir aos vícios ao invés de às virtudes da sua nova terra adotiva.”
Os Jogos Ístmicos, dos quais o povo de Corinto tanto se orgulhava, não ofereciam coroas de louros aos vencedores, mas coroas feitas de talos de aipo silvestre. Não admira que Paulo tenha escrito aos coríntios que não procurassem uma “coroa corruptível” (I Coríntios 9:25).
Quando Timóteo, o jovem da pequena cidade de Listra chegou a Corinto, Paulo já tinha pregado ali havia algumas semanas. Como sempre, Paulo começou a pregar na sinagoga local. Mas logo depois que Timóteo chegou, Paulo foi de lá expulso. Ele se mudou para a casa ao lado, para a casa de um dos seus novos convertidos e continuou a pregar.
Pode-se bem imaginar a reação dos líderes da sinagoga. Outro motim. Como sempre.
Desta vez, entretanto, Gálio, o governador da província, irmão do famoso filósofo romano Sêneca, percebeu as manobras nas acusações forjadas pelos líderes da sinagoga. E o resultado foi que Paulo, Silas e Timóteo puderam continuar a obra evangelística em Corinto.

Três estímulos

Mas não foi fácil. Às vezes, parecia que todo o trabalho ia por água abaixo. Certa vez, logo depois de terem sido expulsos da sinagoga, Deus deu a Paulo uma visão especial e disse-lhe que não tivesse medo “pois tenho muito povo nesta cidade” (Atos 18:10). É bem provável que Timóteo também precisasse desse ânimo.
Às vezes o desânimo vem porque não conseguimos ver tão longe quanto Deus. É como dirigir um carro na neblina. É perigoso seguir em frente, e é perigoso parar. Oramos e nada acontece. Trabalhamos e as coisas ficam piores. Nessas horas gostaríamos que Deus nos desse uma visão como a que deu a Paulo.
Paulo fora enviado por Deus à Macedônia onde estavam as cidades de Filipos e de Tessalônica, mas não recebeu ordens para ir a Acaia onde se localizavam as cidades de Atenas e de Corinto. Ele achava que havia sido constrangido a isso por obstáculos satânicos que o impediam de voltar à Macedônia. Por este motivo, mesmo pregando e fazendo tendas em Corinto, seu coração ainda estava em Tessalônica.
A visão não tinha apenas a finalidade de encorajar Paulo, mas também assegurar-lhe que estava no lugar certo. Paulo precisava da certeza de estar no centro da vontade de Deus.
A segunda fonte de ânimo para Paulo foi a volta de Timóteo e Silas das suas viagens ao norte. Os dois não somente o estimularam com as boas notícias trazidas, como também assumiram alguns encargos, possibilitando-lhe devotar mais tempo à pregação e ao ensino, deixando de lado a fabricação de tendas.
A fabricação de tendas nos leva à terceira fonte de estímulo: Priscila e Áquila, um incomparável casal que surgia súbita e inesperadamente em lugares estratégicos durante as viagens missionárias de Paulo. Alguns estudiosos do Novo Testamento sugerem que eles possuíam uma cadeia de lojas de tendas em Roma, Corinto e Éfeso. Expulsos de Roma pelo imperador Claudio, Priscila e Áquila refugiaram-se em corinto logo depois de Paulo ter ido para lá. Por certo eles informaram a Paulo sobre a situação da igreja cristã de Roma. Além disso, deram-lhe emprego e companheirismo, duas coisas que ele tanto precisava.
Geralmente Deus não nos dá visões para animar-nos; mais frequentemente ele nos manda pessoas com Timóteo e Silas, como Priscila e Áquila, para nos darem o estímulo necessário nas nossas horas de desânimo.
Timóteo havia viajado muito neste último ano e meio, e provavelmente precisava de um descanso. Apesar dos problemas e desânimos, entretanto, a estada em Corinto tornou-se uma das mais longas de Paulo, um total de 18 meses. Durante todo este tempo, Timóteo observava o rápido crescimento da igreja. Embora Corinto fosse a pocilga moral do mundo antigo, a igreja tornou-se uma das maiores do período primitivo. Havia, portanto, muita coisa para Timóteo fazer. Por exemplo, Paulo mencionou que ele pessoalmente batizou apenas umas poucas pessoas dentre os convertidos de Corinto (I Coríntios 1:14). Isso quer dizer que a maioria dos batismos foi realizada por Silas e Timóteo.

Viagens Missionárias

Foi, provavelmente, na primavera do ano 52 da nossa era cristã que Paulo, Timóteo e Silas concluíram sua viagem missionária. Mais ou menos três anos tinham se passado desde que Timóteo se reunira a Paulo e a Silas em Listra. Começou com 19 anos e agora tinha 22. Durante estes três anos ele muito se desenvolveu.
De volta ao ponto de partida, a equipe parou em Éfeso era a última cidade importante do Mar Egeu onde não tinham ainda fundado uma igreja. Paulo já devia ter em mente uma terceira viagem missionária que focalizaria Éfeso. A fim de preparar uma base para sua próxima incursão missionária, ele deixou Priscila e Áquila em Éfeso e, juntamente com Silas, tomou um navio e se dirigiu para a Palestina.
Não se sabe se Timóteo os acompanhou. Tenho a impressão de que ele aproveitou essa folga missionária para voltar a Listra e passar uns tempos com a mãe e com a avó.
Naquele outono, o apóstolo Paulo passou novamente pelas cidades gálatas a caminho de Éfeso e provavelmente apanhou Timóteo em Listra. Desta vez Silas não veio com Paulo, de modo que Timóteo, aos 22 anos, tornou-se o principal companheiro de Paulo. Quando chegaram a Éfeso, Priscila e Áquila esperavam por eles.
Durante três anos mais ou menos, Paulo trabalhou em Éfeso, passando por situações difíceis. Parte dos problemas enfrentados encontra-se em Atos 19, mas Lucas deixou de incluir alguns dos problemas “menos importantes” em Éfeso: lutas com feras (I Coríntios 15:32), aprisionamento (Romanos 16:7; 2 Coríntios 11:23-27), Priscila e Áquila “arriscando-se por ele” (Romanos 16:4), e perigo de morte (2 Coríntios 1:10).
Não sabemos que participação Timóteo teve nesses problemas; mas, como o segundo homem da organização,podemos ter a certeza de que ele podia dizer como Paulo: “...a natureza da tribulação que nos sobreveio na Ásia, porquanto foi acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da própria vida” (2 Coríntios 1:8).
Barnabé tinha acompanhado Paulo em apenas uma viagem. Silas também em somente uma. Mas aqui estava Timóteo, o rapaz de estômago fraco, indo para a segunda.
É claro que ele poderia ter mudado de opinião em Éfeso. Afinal, não foi isso que João Marcos fez? E João Marcos não tinha sofrido nem a décima parte do que Timóteo enfrentou. Além do mais, Éfeso não ficava tão longe da sua casa. Timóteo podia facilmente ter-se unido a uma caravana de camelos e chegado a casa em poucos dias. Mas não o fez, embora muitas vezes ele possa ter se sentido esmagado e oprimido.
As epístolas dão-nos a impressão de que Timóteo teria feito duas ou três longas viagens durante o tempo em que Paulo permaneceu em Éfeso. A mais significativa, porém, foi aquela que terminou em fracasso, tendo a participação da desordeira cidade de Corinto. Para compreender o que Timóteo enfrentou, é necessário encaixar tudo o que se refere à igreja de Corinto na correspondência de Paulo. E “encaixar” é realmente a expressão correta, porque é quase um quebra-cabeça.

Cartas aos coríntios

É provável que Paulo, num período de três anos, tenha escrito quatro cartas à igreja de Corinto (podem ter sido cinco). Alguns eruditos classificam estas cartas de A, B, C e D ( e possivelmente E). Temos duas delas, cartas B e D, às quais chamamos de Primeira e Segunda aos Coríntios; mas é possível, segundo alguns estudiosos do assunto, que a Segunda aos Coríntios seja realmente C e D combinadas. Se assim for, temos três das quatro ou cinco cartas.
Se os eruditos estão um pouco confusos a esse respeito, não há por que ficarmos atrapalhados se as partes não se ajustarem perfeitamente. É bem provável que para Timóteo as coisas também não estivessem muito claras.
Não se sabe como Paulo ouviu pela primeira vez que havia problemas em Corinto, mas a cidade ficava do outro lado do Mar Egeu e as notícias se propagavam entre as duas cidades. Com bom tempo, a viagem por mar, levava dois ou três dias.
Na sua carta A (I Coríntios 5:9 refere-se a ela), Paulo preveniu-os contra a imoralidade, mas Paulo deve ter achado que os coríntios precisavam mais do que uma carta e despachou Timóteo para Corinto. Timóteo deve ter viajado em semicírculo assim passando por Filipos e Tessalônica a caminho de Corinto (I Coríntios 4:17 e 16:10). Sendo uma viagem por terra de algumas centenas de quilômetros deve ter durado de dois a três meses.
Parece que a carta A de Paulo não deu muito resultado. Pelo menos foi o que “os da casa de Cloe” (I Coríntios 1:11) disseram a Paulo ao chegarem à sua casa em Éfeso. Não somente relataram a imoralidade, como também contaram que a igreja se estaa fragmentando em partidos, e que se contestava a autoridade de Paulo.
Não demorou muito e chegaram outros três membros da igreja de Corinto contando mais infortúnios. Estes três, provavelmente, trouxeram uma carta com perguntas sobre assuntos que perturbavam os coríntios.
Como resposta, Paulo escreveu a carta B, que conhecemos por Primeira Epístola aos Coríntios.  Sabemos que Timóteo já tinha deixado Éfeso, porque Paulo não o incluiu na saudação (I Coríntios 1:1).
Ao escrever aos coríntios, Paulo tentou preparara o terreno para a visita de Timóteo. Lembrou aos coríntios (I Coríntios 4:14-17) que eram seus filhos na fé, e deveriam, portanto, acatar o seu ‘pai espiritual”. Timóteo também era um filho na fé e fiel ao Senhor, um exemplo que Paulo esperava que seus filhos em Corinto imitassem. Timóteo foi mandado por Paulo especialmente para instruir os coríntios na conduta moral, estilo de vida que Paulo tinha apresentado a todas as igrejas por ele fundadas.
Quase no fim da epístola, Paulo diz aos coríntios que logo irá visitá-los, e mandava Timóteo à sua frente. “vede que esteja sem receio entre vós”, escreveu Paulo (I Coríntios 16:10). Paulo não temia tanto pela segurança física de Timóteo, quanto pela sua segurança psicológica. “Façam-no sentir-se em casa” disse Paulo, “pois ele está fazendo a obra do Senhor tanto quanto eu” (I Coríntios 16:10, A Bíblia Viva).
Os problemas da igreja de Corinto eram de assustar qualquer um, e com certeza Timóteo não sabia que estava mexendo em “casa de marimbondo’. Ele não tivera problema na sua missão de solucionar os impasses da igreja de Tessalônica porque eles aceitaram a autoridade de Paulo e sabiam que Timóteo era o fiel companheiro do apóstolo.
A situação da igreja de Corinto, porém, era diferente. Muitos dos seus membros contestavam o direito de Paulo dar-lhes ordens; por que iriam eles atender às palavras do jovem Timóteo?
Como diz William LaSor: “Paulo mandara Timóteo a Corinto a fim de cuidar de graves dificuldades naquela igreja, dificuldades de natureza moral, doutrinária e administrativa. Ao ler as epístolas aos coríntios, descobre-se o quanto os problemas eram complexos.”
A igreja não estava apenas dividida em quatro minidenominações; sofria também a influência de libertinos, de legalistas, de filósofos e de místicos, todos interpretando a mensagem de Cristo de um modo diferente. E todos eles pareciam intensamente orgulhosos, (“ensoberbecidos”) de suas interpretações singulares.
Se o povo chegou a ouvir a Timóteo, não o sabemos. O certo é que ele fracassou.
Diz LaSor: “Ele fracassou não por falta de habilidade, mas por falta de experiência; somente pelo fato de ser jovem demais. A igreja de Corinto desprezou a sua mocidade e foi hostil porque o próprio Paulo não tinha vindo visitá-los.”
Parece que Timóteo havia piorado a situação ao invés de melhorá-la. Timóteo então relatou a Paulo as más e tristes notícias.
Desde que encontrara Paulo, Timóteo andara envolvido em coisas maiores do que sua própria capacidade. Estava sempre avançando em águas mais fundas do que podia.
Pode ser que Paulo já tivesse despachado Timóteo para as igrejas da macedônia e de Corinto antes de perceber a enormidade dos problemas em Corinto. Talvez ele não soubesse estar mandando Timóteo para um ninho de vespas. Timóteo dera-se bem no seu trato diplomático com a igreja de Tessalônica. Por que não se daria bem em Corinto, onde Paulo passara 18 meses pregando e ensinando a Palavra de Deus?
Quando Timóteo voltou dizendo que fracassara, Paulo ficou enfurecido, não com Timóteo, mas com os coríntios.
Muitos estudiosos acham que o próprio Paulo fez-lhes uma curta visita, a “visita dolorosa” a fim de resolver os problemas (2 Coríntios 2:1, A Bíblia Viva). Evidentemente, até isso foi insatisfatório e ele teve de escrever uma carta enérgica ( a carta c) e mandá-la por Tito. Mas parece que ele mudou de ideia: Talvez eu tenha sido muito severo. Será que reagi emocionalmente pela maneira indigna de tratarem Timóteo? Ao invés de endireitar algo, esta carta pode ter arruinado tudo. Pode até romper completamente o meu relacionamento com a igreja de Corinto.
Evidentemente, Paulo pediu que Tito se encontrasse com ele em Trôade, mais ou menos a 160 km ao norte de Éfeso. Mas quando Paulo e Timóteo chegaram a Trôade, Tito não estava lá. Nesta altura, tanto Paulo quanto Timóteo devem ter-se sentido um fracasso. O fato de Tito não ter voltado na época em que era esperado devia significar que a carta C não havia ajudado a desembaraçar a situação em Corinto.
Houve oportunidade de evangelizar em Trôade, mas Paulo não conseguiu aproveitar-se dela. Não tinha paz de espírito (2 Coríntios 2:13). Assim, Paulo e Timóteo prosseguiram viagem até Filipos da Macedônia, ainda preocupados por não terem noticia alguma de Tito. O relato de Paulo é bem claro: “Porque chegando nós à Macedônia, nenhum alívio tivemos; pelo contrário, em tudo fomos atribulados: lutas por fora, temores por dentro” (2 Coríntios 7:5).
Se foi esta a reação de Paulo, que mais tarde escreveu à igreja filipense: “Não se aflijam com nada” (Filipenses 4:6, A Bíblia Viva), imagine o que Timóteo deve ter sentido.
R. V. G. Tasker, comenta sobre a Segunda Epístola aos Coríntios: “A natureza humana está sujeita a pressões e tensões, as quais repercutem tanto mental, quanto fisicamente; e tais tensões são mais sentidas por almas supersensíveis como a de Paulo.”

Sucesso com cartas

Então Tito chegou. Sobre esta chegada oportuna, Paulo escreve mais tarde: “Porém Deus, que conforta os abatidos, nos consolou com a chegada de Tito; e não somente com a sua chegada, mas também pelo conforto que recebeu de vós, referindo-nos a vossa saudade, e vosso pranto, o vosso zelo pro mim, aumentando assim meu regozijo” (2 Coríntios 7:6-7).
A carta C havia atingido o seu objetivo. Tito também. Paulo e os coríntios estavam em harmonia. E agora Paulo estava satisfeito de haver mandado aquela carta: “Porquanto ainda que vos tenha contristado com a carta, não me arrependo; embora já me tenha arrependido (vejo que aquela carta vos contristou por breve tempo), agora me alegro, não porque fostes contristados, mas porque fostes contristados para arrependimento; pois fostes contristados segundo deus, para que de nossa parte nenhum dano sofrêsseis (2 Coríntios 7:8-9).
Foi por causa da sua alegria que Paulo escreveu a carta D, que é chamada 2 Coríntios.
É surpreendente que no começo da carta, Paulo tenha escrito: “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus e o irmão Timóteo.”
Por que não Paulo e Tito? Tito acabava de voltar com as boas notícias; Tito foi a pessoa que restabeleceu o relacionamento com os coríntios; Tito é que foi bem-sucedido na sua missão.
Claro que Paulo apreciou o que Tito havia feito. Daqui por diante, Tito passou a aparecer cada vez mais no quadro do Novo Testamento.
Mas Paulo escreveu “Paulo e Timóteo”. Paulo estava provavelmente ditando a carta a Timóteo, seu secretário de correspondência.
O fracasso de Timóteo não o desalojou do seu lugar na equipe de Paulo. Incluindo Timóteo no começo da sua carta, Paulo também recordou esse fato aos coríntios.
Por que Tito foi bem sucedido quando Timóteo fracassou? Talvez a carta C escrita por Paulo, com sua forte admoestação, tenha ajudado os coríntios a mudar de atitude. Também como William LaSor afirma: “Tito era, provavelmente, um pouco mais velho do que Timóteo e tinha alguns anos mais de experiência. É possível que ele tivesse certas qualificações pessoais que faltavam a Timóteo como, por exemplo, autoconfiança e audácia. Pode até haver acontecido que Timóteo, consciente ou inconscientemente, tivesse preparado o caminho para Tito; os coríntios tiveram tempo de arrepender-se da maneira pela qual trataram Timóteo e podem ter resolvido portar-se com Tito de um modo mais cristão”.

Fracasso e Sucesso

Quando há fracasso, é bom examinar as suas causas; mais importante, porém, é determinar o que fazer em seguida.
No caso de Timóteo, seria perdão. Ao colocar Paulo o nome de Timóteo no começo da Segunda Epístola aos Coríntios, quer dizer que Timóteo concordava com os dizeres de Paulo: “... porque já vos tenho dito que estais em nossos corações para juntos morrermos e vivermos” (2 Coríntios 7:3).
O fracasso é desencorajador, mas não é necessariamente um sentimento definitivo. É preciso continuar. No caso de Timóteo, queria dizer que ele tinha de voltar a Corinto, onde fora mal recebido. Para o estudante, isto pode significar que precisa repetir o ano todo. Para um atleta vaiado por milhares de fãs, é voltar à raia e enfrentar novamente a multidão com a possibilidade de ser vaiado de novo.
O forte de Timóteo, entretanto, nunca foi o sucesso, mas a fidelidade. Deus não lhe prometeu uma medalha de ouro; simplesmente pediu-lhe que fosse fiel.
Atualmente, muitos cristãos têm medo do fracasso. Por isso não se arriscam muito. O sucesso tornou-se um deus, e queremos ser bem-sucedido em tudo o que fazemos. Como resultado, procuramos esconder os fracassos. Achamos que e vergonha não ser bem sucedido em tudo. Nossa vida torna-se falsa à medida que tentamos projetar uma imagem totalmente vitoriosa.
Jesus contou a história de um homem que tinha três servos, e que deu a cada um parte dos seus bens. A um deu cinco talentos; a outro dois talentos; e ao terceiro, um.
Os que receberam cinco e dois talentos não tiveram medo do fracasso. O que recebeu somente um talento, nada fez com ele, e disse: “Receoso, escondi na terra o teu talento” (Mateus 25:25).
G. Don Gilmore diz: “O de que precisamos atualmente não é outra filosofia de como ser bem-sucedido; precisamos antes, aprender como fracassar criativamente.” Os grandes homens tornaram-se grandes mais pelos seus fracassos do que pelos seus sucessos.
Talvez Abraão Lincoln seja o exemplo mais conhecido. Foi um fracasso nos negócios; foi um fracasso na advocacia; não conseguiu ser eleito ao poder legislativo estadual. Foi impedido na sua tentativa de ser diretor do Cartório Geral de Registro de Terras. Foi derrotado nos seus esforços para a Vice-presidência e para o Senado. Mas não deixou que o fracasso lhe arruinasse a vida. Nem permitiu que o fracasso o deixasse revoltado contra as pessoas.
De certa forma, até Jesus Cristo parece ter fracassado. “veio para o que era seu, e os seus não o receberam” (João 1:11). Como declara Gilmore: “A sua família não o compreendeu; as autoridades religiosas odiavam-no; a liderança política lhe era contrária; seus amigos o abandonaram; um discípulo o traiu; partidários corajosos negaram-no; a sua congregação cuspiu nele, e arremessou-lhe pedras; seus inimigos o crucificaram. Morreu numa cruz ignominiosa, e até parecia que Deus o desamparou.”
Segundo as aparências, foi um fracassado.
Mas é por meio dele que somos mais do que vencedores. Ele é que foi exaltado nos lugares celestiais e quem recebeu um nome que está acima de todo nome. É ele que sempre nos faz triunfar.
O nosso relacionamento com Jesus Cristo ajuda-nos a colocar a vida numa perspectiva correta. Ajuda-nos a ver que os fracassos são sempre de curto prazo. Na realidade, Timóteo fracassou numa tarefa a curto prazo, mas tinha sido fiel; e essa fidelidade assegurou-lhe sucesso a longo prazo.
A vida teria sido bem mais fácil se Paulo e Timóteo não tivessem começado a ensinar em Corinto. Qualquer pessoa podia ver, quando eles chegaram ali, que a cidade estava saturada de encrencas. Qualquer igreja ali fundada teria de resultar em contínuos sofrimentos e pesares.
E mandar que Timóteo voltasse a Corinto foi insensatez. Era mais do que certo que ele fracassaria. Era uma missão impossível. Só ia trazer-lhe angústia.

Então, por que Paulo tentou conquistar Corinto para Cristo? Porque o Senhor colocou esta idéia no seu coração?