Cap.
8
O
Significado das Letras Vermelhas
Quando garoto eu tinha uma edição da
Bíblia com as palavras de Jesus em letras vermelhas. Algumas palavras vermelhas
surgiam onde eu menos esperava.
Como as letras vermelhas indicavam as
palavras de Cristo, a maioria ficava nos Evangelhos, algumas no primeiro
capítulo de Atos antes da ascensão do Senhor, e ainda outras no Apocalipse,
recordando as palavras de Jesus a João, o discípulo amado, em sua notável
visão.
Mas nos 148 capítulos do Novo
Testamento que se encontram entre Atos 1 e Apocalipse, não havia muitas letras
vermelhas.
Uma exceção, entretanto, era Atos
20:35: “Mais bem-aventurado é dar do que receber”.
Eu costumava perguntar-me qual a razão
daquelas palavras vermelhas isoladas em Atos.
Quando deixamos Paulo e Timóteo no fim
do último capítulo, eles se encontravam em algum lugar na Via Inácia, parte da
rodovia mais movimentada de Roma. Enquanto Paulo escrevia a carta D aos
coríntios (que chamamos de Segunda aos Coríntios), ele tinha os olhos voltados
para o Oeste, ao longo da Via Inácia em direção a Roma, a capital do mundo, e
ainda além em direção à Espanha ao oeste do Mediterrâneo.
Quando o apóstolo Paulo determinava ir
a algum lugar, era muito difícil fazê-lo mudar de idéia.
De fato, depois de receber o relatório
de Tito sobre a igreja de Corinto, e provavelmente após escrever a Segunda
Epístola aos Coríntios em Filipos (ou em Tessalônica), Paulo e Timóteo
iniciaram a longa jornada rumo oeste na Via Inácia, mais ou menos 320 km até ao
Ilírico, província extremo-oeste da Grécia que se defrontava com a Itália,
através do Mar Adriático.
Depois de pregar por algum tempo no
Ilírico, Paulo e Timóteo desceram até Corinto, ficando aí uns três meses.
Escreveu a Epístola aos Romanos, com a sua sistemática apresentação das grandes
doutrinas do Cristianismo.
Embora nunca tivesse estado em Roma,
Paulo muito sabia sobre ela. Priscila e Áquila, que ele encontrara pela
primeira vez nos alojamentos dos fabricantes de tendas de Corinto, e que depois
o ajudaram em Éfeso, estavam agora de volta à sua sede de negócios em Roma. (O
velho imperador Claudio acabara de falecer, não havendo tanto perigo em voltar
para lá.) Priscila e Áquila tinham, sem dúvida, aguçado a vontade de Paulo de
visitar a igreja da grande capital.
Todavia, o seu verdadeiro objetivo era
a Espanha, e não Roma, como ele francamente disse aos cristãos romanos: “...e
desejando há muito visitar-vos, penso em fazê-lo quando em viagem para a
Espanha, pois espero que de passagem estarei convosco e que para lá seja por
vós encaminhado, depois de haver primeiro desfrutado um pouco a vossa companhia”
(Romanos 15:23-24).
Quem sabe aonde mais Paulo pretendia
ir? Talvez até a Gália; talvez até mesmo à posição avançada do longínquo
noroeste: a Bretanha.
O que o impedia? Por que não tirava
informação sobre os navios que se dirigiam para o Oeste? Porque ele já tinha
reservado acomodação num navio que ia para o Leste. Leste? Sim, havia algo
muito mais importante naquele momento do que pregar e ensinar o evangelho em
Roma. Timóteo sabia disso havia três anos. Ele sabia que nada deteria Paulo do
seu projeto favorito.
Era até mais do que um projeto
favorito; era realmente uma grande operação. Envolvia todas as igrejas que
Paulo tinha fundado até então. Cada uma contribuiria para um grande fundo de
assistência a ser levado para os membros pobres da igreja de Jerusalém.
Necessidade
financeira em Jerusalém
A preocupação de Paulo remontava a dez
ou mais anos quando a igreja cristã de Antioquia incumbiu-se de um programa de
assistência aos pobres da igreja de Jerusalém. Paulo e Barnabé foram designados
mensageiros pela igreja de Antioquia para levar o dinheiro aos “irmãos que
moravam na Judéia” (Atos 11:29).
Quando mais tarde houve certa
desavença com a igreja de Jerusalém, Pedro, Tiago e João sugeriram a Paulo que
a melhor coisa a ser feita seria que “lembrássemos dos pobres”, a que Paulo
afirma “o que também me esforcei por fazer” (Gálatas 2:10).
Na sua viagem mais recente a
Jerusalém, Paulo deve ter sido novamente movido pela grande necessidade
financeira do povo. O Novo Testamento quase nada relata sobre esta visita, mas
desde aquela ocasião Paulo começou a falar sobre uma campanha de assistência
especial para os cristãos de Jerusalém.
Temos a tendência de pensar que o povo
dos tempos bíblicos tinha o mesmo padrão de vida a que estamos acostumados
atualmente. Mas não era essa a realidade, como Henri Daniel Rops destaca: “Não
se pode esquecer que em Israel, naquela época, havia uma classe proletária, e
até uma classe abaixo desta, constituída de trabalhadores mal pagos (um denário
por dia; quatro ou cinco no máximo), diaristas com ameaça permanente de
desemprego... os escravos libertos cujos patrões nem sempre lhes davam a
pequena soma que a lei lhes outorgava, indigentes pelas ruas e, é preciso
lembrar, leprosos e aleijados para os quais não havia hospital. Foi no meio
deste pobre povo desprezado, destes proscritos, que a mensagem de Cristo
primeiro se espalhou e começou a se espalhar.”
Isso era o que acontecia em tempos
normais. Como seria a vida deles durante uma séria depressão econômica? Como
Rops diz: “A crise econômica do primeiro século tornou a miséria ainda pior.”
Quando Paulo chegou a Jerusalém depois
de ter passado dois anos nas prósperas cidades de Corinto e Éfeso, ele deve ter
ficado muito chocado com o contraste.
Imediatamente surgiu o gigantesco
plano. Quando Paulo foi à Galácia no ano 52 da era cristã, levando consigo
Timóteo, disse aos gálatas o que acontecia e provavelmente disse que Timóteo
voltaria em um ano para receber deles uma oferta. Escreveu em sua Primeira
Epístola aos Coríntios: “Quanto à coleta para os santos fazei vós também como
ordenei às igrejas da Galácia” (I Coríntios 16:1). Escrevendo aos romanos (que
não faziam parte do grande esquema, porque a igreja deles não foi fundada por
Paulo), ele lhes explicou como era feita a arrecadação. “Isto lhes pareceu bem,
e mesmo lhes são devedores; porque se os gentios têm sido participantes dos valores
espirituais dos judeus, devem também servi-los com bens materiais” (Romanos
15:27).
Não há dúvida; o assunto estava de
contínuo na mente de Paulo.
Por
que tirar coleta, Paulo?
Se eu fosse Timóteo, teria feito umas
perguntas para Paulo, quando o assunto surgiu pela primeira vez:
1.
Por
que perder tempo em tirar coleta quando há tantas coisas mais importantes a
serem feitas, tais como ganhar almas para Cristo?
2.
Por
que perturbar os cristãos novos? Não há coisa que irrite mais as pessoas do
pedir-lhes oferta. Estas novas igrejas já estão cercadas de muitos problemas;
por que acrescentar mais um?
3.
A
maioria dos novos cristãos está também sofrendo os efeitos da pobreza. Será
justo sobrecarregá-los ainda mais com um apelo para dar a outros pobres? Ou
talvez você pudesse dispensar os pobres cuja renda não fosse mais do que dois
denários por dia.
4.
Já
que está insistindo em tirar coleta, Paulo, por que não pensar em outro apelo?
Há muitos motivos pelos quais não faz sentido dar ofertas a Jerusalém.
·
Desde que você se converteu, Paulo, a igreja
tem-no feito passar maus pedaços. Se eles têm problemas, decerto os merecem.
Pode ser que Deus esteja castigando a igreja pelo modo como o trataram. Por que
eles lhe dão tantos aborrecimentos?
·
Já
que está tirando coleta, por que não usá-la para pagar a sua viagem até a
Espanha? Você poderia começar uma missão chamada “Sociedade Missionário do
Além-Mar” e conseguir bastante dinheiro para assegurar uma temporada inteira de
trabalho missionário na Espanha para voe e para mim.
·
Não
seria mais popular (e mais lucrativo a longo prazo) você encorajar cada igreja
a começar um fundo de construção de modo que tivessem um lugar apropriado onde
ouvir a Palavra de Deus?
É por isso, Timóteo
Paulo havia ensinado a Timóteo muita coisa
sobre prioridades, organização e estratégia durante os últimos seis ou sete
anos que tinham trabalhado juntos. Todavia, jamais todos estes assuntos combinaram
com mais eficácia do que na coleta de ofertas para os santos necessitados de
Jerusalém.
A coleta não era somente um ato de
compaixão e caridade; era também um instrumento de ensino. Voltemos às
hipotéticas perguntas e vejamos como Paulo as teria respondido:
1.
A
minha principal prioridade não é salvar almas, mas estabelecer igrejas. Se eu
estivesse apenas interessado em salvar almas, eu não teria escrito nenhuma
epístola.
2.
Uma
das principais coisas que os novos cristãos precisam entender é que eles fazem
parte de um corpo composto de muitos membros, e que estes membros devem amar e
cuidar uns dos outros. Este corpo é mais claramente visível na igreja local;
foi por isso que fiquei tão aborrecido quando os coríntios estavam dividindo o
corpo. Mas, em segundo lugar, este corpo também é visto na unidade de todos os
crentes onde quer que estejam. Lembre-se sempre destas duas coisas: A igreja é
o corpo de Cristo, e é um só corpo.
3.
Você
disse que estes novos cristãos não são ricos. É verdade; mas não se esqueça de
que não é o que recebe, mas o que dá, que é o primeiro a ser abençoado. A
motivação para dar não é porque você tem os recursos e deve dar, mas porque
alguém não tem e você ama esse alguém.
4.
Sim,
eu sei que não tem sido fácil lidar com a igreja de Jerusalém, mas aqueles
cristãos também precisam ter conhecimento da autenticidade do corpo de Cristo.
É preciso que eles saibam que estão no mesmo corpo que os coríntios, por
exemplo, e que há um laço que nos une, não importa que sejamos judeus ou
gentios, escravos ou livres, homens ou mulheres, brancos ou pretos, ricos ou
pobres, brilhantes ou obtusos.
·
Você
diz que a igreja de Jerusalém não merece. Talvez não, mas você não vê que isso
é que é o Cristianismo? Deus nos mandou seu Filho não porque o merecêssemos,
mas porque ele nos ama. Se deus nos desse aquilo que merecemos, ele já teria
nos mandado o fogo da destruição há muito tempo.
Jesus
disse aos discípulos diversas vezes que amassem uns aos outros. Ele disse:
“nisso conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos
outros” (João 13:35). Precisamos demonstrar esse amor.
·
Deste
modo você vê que na promoção da obra de Deus nada há mais importante do que a
manifestação do amor cristão entre as igrejas, nem mesmo a pregação do
evangelho na longínqua Espanha.
·
Quanto
à necessidade de construir igrejas, isto apenas faria com que estes novos
cristãos se concentrassem mais em si mesmos. No momento eles estão preocupados
demais com seus próprios insignificantes problemas. Eles têm necessidade de
pensar em coisas maiores, em algo além deles mesmos. Eles precisam começar a
pensar nas necessidades dos outros.
·
Você
questiona o Fundo de Assistência a Jerusalém. Quanto mais penso sobre isso,
tanto mais me convenço de que não somente é a coisa certa a fazer, mas também
de alta prioridade.
De fato, não sei o quanto destas
considerações Paulo realmente teria dito a Timóteo, mas lendo-se II Coríntios,
capítulos 8 e 9, encontra-se muitos destes mesmos argumentos nas próprias
palavras de Paulo.
A
justificativa de dar
Tempos atrás, quando Paulo escreveu a
sua primeira carta à igreja de Corinto, ele principiou o movimento. Disse-lhes
que a oferta tinha de ser regular, “no primeiro dia da semana” como parte do
culto; deveria ser proporcional, “conforme a sua prosperidade”; e isto
aplicava-se a todos, “cada um de vós”, rico ou pobre (I Coríntios 16:2).
Nos 12 meses seguintes, os cristãos de
Corinto tiveram alguns outros problemas a ocupar-lhes a mente. Portanto, quando
Paulo escreveu a segunda epístola, ele teve de animá-los um pouco: “completai
agora a obra começada” (2 Coríntios 8:11).
Antes, não há dúvida, ele tinha
explicado claramente a grande necessidade dos cristãos de Jerusalém; agora ele
apresentava mais quatro motivos:
1.
As
igrejas pobres da Macedônia já tinham contribuído; haviam compartilhado da sua
pobreza; não poderiam vocês compartilhar da sua abundância?(8:1-5).
2.
Como
igreja, vocês possuem muitos dons espirituais; por que não cultivar também o
dom de dar? (8:6-7). Logo depois, ao escrever aos romanos, Paulo incluiu a
contribuição na lista dos dons do Espírito (Romanos 12:6-8).
3.
Não
há exemplo maior de dar do que o exemplo de Jesus cristo. Visto que ele deu
tudo a você, por que você se recusa a dar ao seu irmão? (2 Coríntios 8:8-9).
Este foi o argumento máximo. James Stewan refere-se a ele como usar uma marreta
para quebrar uma noz.
4.
A
contribuição é um modo de igualar as posses; se vocês, como membros da igreja
cristã, a prenderem a mar uns aos outros, então algum dia no futuro, quando a
depressão econômica atingir Corinto, vocês receberão auxílio dos outros.
A
organização é necessária
Paulo sabia como convencer. Mas
Timóteo aprendeu muito mais do que uns poucos argumentos a favor da
contribuição durante o trabalho de assistência a Jerusalém. Aprendeu algo sobre
organização
Ouve-se, às vezes, dizer que sendo a
pessoa verdadeiramente espiritual, não precisa de organização. Insinua-se que a
organização é um obstáculo à obra do Espírito.
Tenho de admitir que às vezes isso é
verdade. É possível que igrejas e organizações cristãs fiquem tão presas a
formalidades burocráticas, que os seus regulamentos chegam a exercer mais
autoridade do que a Bíblia, e as reuniões de oração são substituídas pelas de
comissões disto e daquilo.
Mas o apóstolo Paulo tinha a organização
em alto apreço. Se Timóteo quisesse seguir as pegadas de Paulo, seria bom que
ele também aprendesse a organizar.
Ao fundar uma igreja, Paulo fazia
questão que ela fosse organizada corretamente. Timóteo sabia disso muito bem
por ter aprendido com Paulo. E, se quisermos falar sobre uma organização de
fato eficiente, basta olhar para o Fundo de Assistência a Jerusalém.
No mundo de hoje, as pessoas
acostumaram-se a dar. Nos dias de Paulo, contudo, não havia Cruz Vermelha ou
qualquer outra assistência. Uma multidão de pedintes postava-se á entrada da
cidade, e era essa a única maneira que as pessoas tinham de aprender a dar
voluntariamente.
Se a pessoa tivesse de levantar fundos
entre 8 a 10 igrejas espalhadas em diversas províncias e separadas até por
16000 km de distância, como é que ela procederia?
Bem, eis aqui o que Paulo fez.
Aproximadamente um ano antes do Dia da doação, a cada igreja foi notificado o
projeto, e foi-lhe dada oportunidade de nomear um delegado (ou aprovar a pessoa
indicada por Paulo) para levar a oferta a Jerusalém. Em alguns casos, Paulo
escreveu cartas com outras instruções e enviou pessoas para verificar como se
fazia o trabalho nas diversas igrejas. Parece que todos os delegados deviam
encontrar-se em Corinto num dia específico, provavelmente no começo de março,
no ano 57 da era cristã.
Tudo foi organizado com a precisão de
uma operação comercial do século 20.
Para
a festa de Pentecostes
Por que esta data era tão importante?
Isso também fazia parte do plano de Paulo. Ele queria chegar a Jerusalém para a
festa de pentecoste, no fim de maio daquele ano.
Pentecoste era uma época de regozijo,
quando se esperava que todos os judeus fossem a Jerusalém para levar os
primeiros frutos dos campos e hortas da colheita da primavera como uma oferta
ao Senhor. Era uma espécie de “Dia de Ação de Graças” judaico.
É claro que os cristãos de hoje
reconhecem o dia de Pentecoste como o aniversário da igreja cristã (Atos 2:1),
mas não há dúvida de que Paulo tinha em mente o significado do Antigo
Testamento. Ao ir a Jerusalém, ele estaria levando os primeiros frutos do seu
ministério entre os gentios e cada um deles estaria trazendo uma oferta.
Os gentios do seu grupo de delegados
não entendiam o significado e o simbolismo de tudo aquilo, mas pode-se ficar
certo de que Timóteo o entendia. Talvez Paulo e Timóteo até mesmo imaginassem
serem estas as primícias do cumprimento de profecias tais como: “Certamente as
terras do mar me aguardarão; virão primeiro os navios de Tarsis para trazerem
teus filhos de longe e com eles a sua prata e o seu ouro para a santificação do
nome do Senhor, teu Deus, o Santo de Israel” (Isaías 60:9).
Timóteo participou do processo de
levantamento de fundos em diversos lugares. Como delegado da igreja de Listra,
ele estava presente quando Paulo fez ali pela primeira vez o apelo à igreja.
Por certo, um ano ou dois mais tarde, ele voltou para receber os fundos
recolhidos na sua própria igreja.
Mais tarde, Timóteo foi mandado com
Erasto para a Macedônia (Atos 19:22), e parte do seu objetivo deve ter sido verificar
se o levantamento de fundos em Filipos e Tessalônica seguia como planejado. Se
este Erasto foi mesmo aquele Erasto que mais tarde se tornou o tesoureiro da
cidade de Corinto (Romanos 16:23), ele foi um companheiro mais do que acertado
para Timóteo nessa missão de arrecadação de fundos.
Apesar de todos os planos detalhados
de Paulo, ele receava que aparecessem alguns problemas. Foi, provavelmente, em
fevereiro do ano 57 da era cristã que ele escreveu a Epístola aos Romanos, na
qual suplica aos cristãos de lá que orem por ele. “Rogo-vos...que luteis
juntamente comigo nas orações a Deus a meu favor” (romanos 15:30). Em março,
quando ele e o seu grupo de seis ou oito delegados estavam prontos para navegar
até Jerusalém, Paulo descobriu que havia uma trama contra sua vida. A bordo de
um navio lotado, Paulo teria sido um alvo fácil. Por essa razão, ele mudou seus
planos de viagem repentinamente. A maioria dos delegados tomou o navio para a
primeira parada do percurso, o porto de Trôade; Paulo, Lucas, e talvez Tito,
foram por terra a Filipos e depois fizeram uma curta viagem de navio a fim de
encontrar os outros em Trôade. Felizmente, Paulo havia deixado uma grande
margem no seu programa para problemas menores, tais como conspirações contra
sua vida.
Uma
parada em Éfeso
A parada seguinte foi ao descer a
costa do mar Egeu, perto de Éfeso, e Paulo não pode deixar de aproveitar a
oportunidade para convocar os presbíteros da igreja dos efésios para um
encontro com ele. Num sermão comovente, disse-lhes: “E agora, constrangido em
meu espírito, vou para Jerusalém, não sabendo o que ali me acontecerá, senão
que o Espírito Santo, de cidade em cidade, me assegura que me esperam cadeias e
tribulações” (Atos 20:22-23). E então acrescentou: “Nem um de vós verá meu rosto
novamente” (Atos 20:38).
Podemos ficar certos de que todos em
Éfeso tinham os olhos rasos d’água. Mas a pergunta que não chegava a ser feita
era: “Se você sabe que cadeias e tribulações o esperam em Jerusalém, por que
insiste em ir até lá?”
Quase percebendo uma pergunta como
esta, Paulo conclui suas palavras aos presbíteros de Éfeso com as palavras de
Jesus: “Mais bem-aventurado é dar do que receber” (Atos 20:35). (Lembram-se das
letras vermelhas com as quais eu me maravilhava quando garoto?)
Bem, a bem-aventurança não é aquele
tipo de felicidade superficial que sentimos ao nos divertirmos ou ao termos uma
boa vida. É a felicidade a que Cristo se referiu naquelas palavras que chamamos
de Bem-aventuranças: “Bem-aventurados os mansos, bem-aventurados os que choram,
bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça (Mateus 5).
É uma felicidade mais profunda, uma
felicidade acerca da qual um discípulo sincero como Timóteo ainda teria muito
que aprender.
Depois de Paulo ter falado, “houve
grande pranto entre todos” (Atos 20:37), e podemos ficar certos de que os
companheiros de Paulo na viagem a Jerusalém também tiveram a sua parte no
pranto.
A
caminho de Jerusalém
Teria sido mais fácil, e também muito
mais prudente ir para o Oeste em direção de Roma em vez de ir para o Leste em
direção de Jerusalém. Mas, para Paulo, a entrega da coleta aos pobres de
Jerusalém era de suma importância. Como disse aos presbíteros de Éfeso: “Em
nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha
carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho
da graça de Deus” (Atos 20:24).
Não me surpreende que Paulo tivesse
continuado a viagem para Jerusalém. O que me surpreende é que nenhum dos
delegados tenha desistido de ir. Teria sido a hora apropriada para um deles
contraírem uma enfermidade psicossomática. Afinal de contas, Timóteo tinha
problemas de estômago.
Chegados à Palestina uma semana mais
tarde, receberam outro aviso sinistro. Na cidade de Tiro, os cristãos
recomendaram a Paulo que não fosse a Jerusalém. Suas súplicas não pareciam
perturbar a Paulo. Como ainda estavam no princípio de maio, Paulo e sua equipe
descansaram ali por uma semana antes de seguir caminho. Dois dias depois
pararam em Cesaréia, a apenas 96 km de Jerusalém. Encontraram aí um profeta
vindo diretamente da Judéia. De modo dramático, o profeta pegou o cinto de Paulo
e, ligando com ele suas próprias mãos e pés, declarou: “Assim farão ao dono
deste cinto” (Atos 21:10-11).
Paulo devia ficar abalado com este
aviso. Principalmente porque uns 10 ou 12 anos antes, este mesmo profeta tinha
predito uma fome em toda a Judéia (Atos 11:28). Foi a sua profecia que inspirou
a igreja a angariar o primeiro Fundo de Assistência à Fome de Jerusalém. E agora,
depois de todos esses anos, ele apareceu de novo, justamente quando Paulo estava
prestes a entregar outro fundo de assistência.
Para Timóteo e os outros delegados,
esta foi a última gota. Talvez essa ida a Jerusalém fosse um erro de Paulo,
raciocinavam. Era possível que Deus nem mesmo o quisesse em Jerusalém. Talvez fosse
bom Paulo ficar para trás enquanto os delegados prosseguissem para entregar as
ofertas aos líderes de Jerusalém. A maioria deles não era conhecida em Jerusalém.
Por isso, junto com os cristãos de
Cesaréia, incluindo-se Filipe e suas quatro filhas, todas profetisas, os
delegados suplicaram a Paulo que não fosse tão teimoso. Então ele não via que o
Espírito Santo lhe estava revelando que não seguisse adiante? Até Timóteo discordava
da decisão de Paulo de ir à Jerusalém.
Quando até os seus amigos mais
chegados lhe suplicaram que mudasse o trajeto, Paulo teve de responder. E qual
foi a resposta? “Que fazeis chorando e quebrantando-me o coração? Pois estou
pronto não só para ser preso, mas até para morrer em Jerusalém, pelo nome do
Senhor Jesus” (Atos 21:13).
Paulo estava decidido. Sabia o que o
aguardava. Talvez ele sentisse algumas das mesmas emoções que Jesus sentiu
quando fez a última grande caminhada da Galiléia até Jerusalém, sabendo que a
cruz do Calvário esperava por ele.
E os seus amigos concluíram as suas
argumentações com uma afirmação bastante reveladora: “Como, porém, não o
persuadimos, conformados, dissemos: Faça-se a vontade do Senhor” (Atos 21:14).
Não sei se você já passou por uma
situação como esta, mas eu já. Talvez você tenha uma opinião diferente. Você acha
que Deus o está orientando para um rumo; seu amigo acha que Deus o está
impelindo para outra direção. Você acha que todos os argumentos são a seu
favor, mas o seu amigo não se deixa persuadir.
Você fica desapontado, é claro. Seu amigo
não quer render-se à evidência. Você se desanima porque o seu conselho foi dado
para o bem, e o amigo resolveu não fazer caso dele. Se os seus motivos fossem
escusos, tudo bem. Mas você orou sobre o assunto e deu o conselho para o bem
dele, e não para o seu próprio bem. Você está profundamente perturbado porque o
amigo está decidido, apesar do seu sábio conselho, a meter-se em dificuldades. Você
está triste por ele e pelo que indubitavelmente ele enfrentará.
É justamente isto que Timóteo, Lucas e
os outros devem ter sentido.
Alguns comentaristas da Bíblia acham
que, depois de Timóteo, Lucas e os outros delegados haverem discutido o assunto
com Paulo, eles compreenderam que os eu mestre estava seguindo a vontade de
Deus e eles não. Não concordo.
Acho que nesta altura eles não sabiam
qual era a vontade do Senhor. Parecia-lhes que Paulo devia ficar em Cesaréia. Como,
porém, Paulo estava certo de que deus queria que ele continuasse, eles
disseram: “Faça-se a vontade do Senhor”, e foram com ele.
Não lhes foi fácil.
O que Deus revelou a Paulo não foi
revelado a Timóteo. Isto não quer dizer que Timóteo fosse menos espiritual do
que Paulo nesta altura dos acontecimentos. Apenas significa que Timóteo devia
dizer: “Não entendo, Senhor; isso não faz sentido para mim, mas faça-se a tua
vontade.”
Esta atitude pode ter sido tão difícil
quanto a resolução de Paulo de seguir o caminho que Deus lhe havia traçado.
Então, os homens começaram a sua
difícil jornada até Jerusalém. Eram 95 km de Cesaréia a Jerusalém, sempre
subindo, porque Jerusalém está no alto das colinas a 800 metros acima do nível
do mar. É possível que tenham conseguido cavalos para a última etapa da longa
jornada, pelo menos para transportar a bagagem.
Imaginemos o que esta viagem deve ter
sido para Timóteo. É provável que esta fosse sua primeira visita a Jerusalém. Durante
toda a ida, sonhara em ir até lá, como todo jovem judeu. Quando Paulo lhe falou
sobre o Fundo de Assistência a Jerusalém pela primeira vez, Timóteo deve ter
ficado excitado com a possibilidade de ser um dos delegados. Aprovado os eu
nome pela igreja de Listra, ele viu que o sonho da sua vida ia tornar-se
realidade. Mas agora, toda a sua alegria tinha desaparecido.
O que esperava em Jerusalém? Qual seria
o futuro de Paulo? E o que o futuro traria para Timóteo?
Chegados a Jerusalém, foram acolhidos
calorosamente pelos irmãos, nada aconteceu de sinistro. Mas os delegados devem
ter sentido a incerteza pesando-lhes no coração. Alguma coisa ainda havia de
acontecer. Haviam-se entregado a Deus quando disseram: “Seja feita a vontade do
Senhor”. Mas era perfeitamente humano cogitarem quais seriam os acontecimentos
e como eles se dariam.
No dia seguinte ao da chegada, Paulo e
os companheiros foram encontrar-se com Tiago, irmão de Jesus, que dirigia a
igreja de Jerusalém. Lá também estavam reunidos todos os presbíteros da igreja.
Nessa ocasião festiva, os delegados
devem ter entregado os fundos de assistência para os presbíteros da igreja e
louvado a Deus. Paulo apresentou um relatório detalhado de tudo quanto Deus
tinha feito entre os gentios através do seu ministério.
Agitação
em Jerusalém
Até agora, tudo bem. Mas, dentro de
uma semana, a situação mudou. Atendendo ao conselho dos presbíteros locais, Paulo
tinha acompanhado quatro cristãos de Jerusalém que queriam cumprir um voto no
templo. Os presbíteros acharam que a presença do apóstolo no templo deteria o
rumor de haver Paulo renunciado às suas raízes judaicas.
O tiro saiu pela culatra. Ao invés de
aplacara os boateiros, a presença de Paulo naquele local deu origem a novos
rumores. De conformidade com o último deles, Paulo estava profanando o templo
por ali introduzir gentios.
O que aconteceu depois disto foi o que
sempre acontecia quando Paulo estava por perto: tumulto no templo, dramático
resgate pelos soldados romanos, trama de morte por 40 assassinos, escolta de
500 militares levando Paulo de noite para a sede romana em Cesaréia.
Realizavam-se as profecias referentes
às aflições. A prisão e o sofrimento de Paulo eram inevitáveis.
E quanto a Timóteo e os outros
delegados? Numa cidade desconhecida, bombardeados por acontecimentos mais
rápidos do que se podia pensar, Timóteo e os outros devem ter ficado confusos e
perplexos.
Timóteo mais do que ninguém. Durante quase
oito anos, ele havia sido o braço direito de Paulo. Contava agora 26 ou 27
anos, mas jamais havia trabalhado por conta própria. Mesmo quando viajara em
diferentes missões para Paulo, estivera sempre sob suas ordens, e cumprira
fielmente suas atribuições da melhor maneira possível. Sua última tarefa tinha
sido trazer o fundo de assistência a Jerusalém, mas a missão já havia sido
cumprida Timóteo estava sem função.
A maioria dos outros delegados tinha
provavelmente, um trabalho que voltariam a fazer e, sem dúvida, procuraram
entrar em contato com o próximo barco que os levaria para casa. Relatariam às suas
igrejas haver cumprido com a sua missão, e pediriam orações por Paulo, que se
achava encarcerado numa prisão romana em Cesaréia.
Mas Timóteo
fora treinado para ser missionário. A sua experiência maior era trabalhar com
igrejas recém-formadas.
Dois dos delegados: Aristarco, representante
de Tessalônica, e o Dr. Lucas, decerto representando Filipos, ficaram com Paulo
em Cesaréia. Evidentemente, Aristarco ficou como um criado particular e Lucas
como médico de Paulo.
E Timóteo? Que aconteceria com ele?
Fico a pensar se Timóteo entendia o significado daquelas palavras em letras
vermelhas que tantos anos atrás eu vi em Atos 20:35: “Mais bem-aventurado é dar
que receber.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário