sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Cap. 9 - Timóteo como Irmão

Cap. 9

Timóteo como Irmão

Que pena não haver telefone nos dias de Paulo! Se houvesse, ele não teria precisado escrever tantas cartas compridas. Pense no tempo que Timóteo teria economizado; levava-se seis semanas para percorrer 1600 km.
Mas que enorme conta telefônica teria Paulo todos os meses! Ele estaria sempre ao telefone conversando com Epafrodito, ou Árquipo, ou Tito, ou Aristarco ou com qualquer outro obreiro.
A preocupação de Paulo por todas aquelas igrejas, ainda tenras, era igual a de uma mãe cujos quatro filhos adolescentes estejam passando o verão em quatro lugares diferentes do país. Ele gostaria de estar nos quatro lugares ao mesmo tempo. Nunca a preocupação de Paulo foi mais evidente do que nos anos 60 e 62 da era cristã, quando ele estava preso em Roma. Mas, estamos nos adiantando.
Conforme nos lembramos, Paulo ficou preso em Cesaréia. A história dramática de como ele apelou para César (que era o próprio Nero) a fim de obter um julgamento encontra-se no livro de Atos. Como cidadão romano, ele tinha tal direito; portanto, depois de dois anos de confinamento em Cesaréia (o Governador Félix alimentava esperanças de ganhar propinas de Paulo, e por essa razão não estava com pressa), Paulo foi enviado de navio para Roma. No trajeto, ele sofreu um naufrágio, durante o qual os relatórios do seu caso provavelmente se perderam no mar. Finalmente, ele acabou chegando a Roma na primavera do ano 60, e foi desde logo posto em uma prisão domiciliar enquanto esperava o julgamento.
Timóteo permaneceu em Cesaréia, mas três anos mais tarde ele apareceu em Roma. Não há notícias das suas atividades nesse ínterim; tudo o que podemos fazer é imaginar algumas probabilidades.
Conhecendo as reações de Timóteo, é bem possível que ele e talvez outro delegado. Tíquico, natural de Éfeso, tenham ficado em Cesaréia tanto tempo quanto possível. Quando souberam que Paulo havia apelado para Cesar em Roma, compreenderam que não havia mais nada a ser feito por ele na Palestina. Pode até ser que tenham seguido para Roma por via terrestre, visitando as novas igrejas por onde passavam e rogando que orassem por Paulo.
Lucas e Aristarco, como já dissemos, ficaram com Paulo, ajudando-o, e foi-lhes permitido que tomassem o malfadado navio com Paulo.  É provável que Timóteo tivesse ficado feliz em embarcar naquele navio. Mas ninguém conhecia as igrejas tão bem quanto ele, portanto era natural que Timóteo fosse o encarregado de notificar aos respectivos cristãos o que estava ocorrendo. É bem possível que o próprio Paulo tivesse despachado Timóteo e Tíquico para aquela missão.
Se a minha suposição for correta, Timóteo e Tíquico visitaram as igrejas da Galácia, incluindo Listra, a cidade natal de Timóteo, onde ele passou uma temporada com a mãe já velha. Foram provavelmente a Colossos, uma igreja não fundada por Paulo, mas já visitada por Timóteo; daí devem ter seguido para Éfeso, cidade natal de Tíquico, depois Trôade e Filipos, onde teriam alertado os cristãos sobre a necessidade de orar por Paulo. De Filipos, devem ter seguido pela Via Inácia, parando, é claro, em Tessalônica e Beréia, antes de atravessar o Mar Adriático e tomar a Via Ápia em direção a Roma.
Tudo isso não passa de conjetura, mas faz sentido. De qualquer maneira, sabemos pelas epístolas que Timóteo e Tíquico, que foram visto pela última vez em Jerusalém aproximadamente no ano 58, estavam em Roma por volta do ano 61 junto com Lucas, Aristarco e, é claro, Paulo.
Timóteo devia estar nos seus 30 e Paulo nos seus 60 anos.
Nessa ocasião, Timóteo já conhecia bem diversas cidades grandes. Éfeso, Corinto, Tessalônica eram cidades de 200.000 habitantes ou mais. Mas Roma era diferente. Uma cidade com uma população de 1.200.000 pessoas, das quais umas 400.000 eram escravos, e com uma população judaica de aproximadamente 50.000 (é possível que houvesse em Roma tantos judeus quantos em Jerusalém), Roma tinha muitos dos mesmos complexos problemas urbanos dos tempos atuais. O seu maior problema era a poluição; habitação urbana era outro problema. Tinha apartamentos em prédios altos (se é que se pode chamar de prédio alto um que tenha seis andares), e uma completa variedade de acontecimentos atléticos e espetáculos para divertir o  povo. Além de tudo isso, a cidade desenvolvia-se com rapidez num estado altamente socializado.

Paulo como prisioneiro

Portanto Roma era uma cidade assaz singular para a sua época. E Paulo era também um prisioneiro singular. Ele não estava acorrentado num cubículo nessa ocasião (isso viria mais tarde), mas tinha sua própria casa alugada. Entretanto, estava sob guarda constante dos soldados selecionados do imperador. Por uma razão ou outra, muitos dos amigos de Paulo vieram a Roma e parecia haver um contínuo fluxo de visitantes.
Mas era incômodo estar acorrentado a um soldado; e para Paulo, que ainda queria fazer tantas coisas e visitar tantos lugares, era um sofrimento ficar confinado numa casa. Estava impaciente por comparecer perante Nero.
Uma destas três coisas pode ter sido a causa do atraso do comparecimento de Paulo perante o tribunal: 1) visto que os relatórios do seu caso provavelmente se perderam no mar, os funcionários precisaram escrever a Cesareia pedindo novos relatórios; 2) a agenda tinha outros casos a serem ouvidos em primeiro lugar; ou 3) é possível que estivessem esperando pelos perseguidores (os líderes judeus de Jerusalém) para formalizar a queixa contra Paulo.
Pensar-se-ia que Paulo, tendo uma relativa liberdade, regozijar-se-ia ministrando aos cristãos de Roma. Mas, francamente, os cristãos romanos foram um desapontamento para ele.
O Cristianismo chegou a Roma por meio de judeus desconhecidos convertidos uns 30 anos antes, e tinha crescido em desordem. Parece que lhes faltava organização, algo de que Paulo fazia questão nas igrejas por ele fundadas. Havia muitas igrejas independentes em Roma. Parece que algumas se ressentiam da presença de Paulo na sua cidade; afinal de contas, pode ser que algumas já tivessem existido antes mesmo da conversão de Paulo. Outras o ignoravam. Nero estava começando a mostrar o seu verdadeiro caráter, e parecia prudente não confraternizar com aqueles que estavam aprisionados. Havia, entretanto, algumas igrejas que apreciavam Paulo.
Embora os contatos de Paulo com a igreja romana fossem esparsos, o que lhe trazia profunda decepção, seus contatos com os melhores soldados de Nero foram abundantes. Havia sempre um soldado na outra extremidade da corrente.
William Barclay diz: “Que maravilhosa oportunidade! Estes soldados ouviam Paulo pregar e falar com os seus amigos. Poderá alguém pensar que Paulo, durante as longas horas do dia, deixassem de falar sobre Jesus com o soldado ao qual estivesse acorrentado? O aprisionamento de Paulo abriu uma porta para a pregação do evangelho ao melhor regimento do exército romano, a Guarda Imperial.”
Os soldados devem ter ficado impressionados, não somente com a mensagem de Paulo, mas também com o seu método. Eles estavam acostumados a receber ordens dos seus oficiais superiores, e, deve ter-lhes parecido que o apóstolo Paulo era um oficial superior naquilo que lhe competia. Timóteo, Tíquico, Aristarco, Lucas, Marcos, Epafras e outros vinham apresentar o seu relatório a Paulo na sede do comando, e eram então despachados em missões, como soldados, para cumprir as ordens de Paulo a centenas de quilômetros de distância, era uma operação eficiente no estilo militar.
Parece que Timóteo, logo após a sua chegada ao quartel-general da prisão de Paulo, foi posto a trabalhar. Talvez por causa dos problemas das vistas, Paulo preferia não escrever as suas cartas de próprio punho, e seus auxiliares faziam também o papel de secretários. Provavelmente, Timóteo já havia sido o secretário de Paulo na Segunda Epístola aos Coríntios; em Roma, parece que Timóteo se tornou o amanuense responsável pela escrita de diversas outras epístolas.
O nome de Timóteo está no começo de três epístolas escritas por Paulo na prisão: aos Colossenses, a Filemon e aos Filipenses. Isto não quer dizer, necessariamente, que foi Timóteo o amanuense; muitos estudiosos acham, contudo, que é bastante provável. A única epístola escrita na “prisão” que não tem o nome de Timóteo é a dirigida aos efésios, uma carta escrita num estilo diferente, embora uma parte do conteúdo seja semelhante à epístola aos Colossenses. É bem possível que Lucas tenha sido o secretário naquela carta aos efésios antes de Timóteo chegar a Roma.
Há algo relacionado cm Timóteo em cada uma destas epístolas.

Igreja de Colossos

Colossos era uma pequena cidade a 160 km de Éfeso. Era conhecida pelos seus terremotos e pela sua indústria de lã e corantes. É possível que o Novo Testamento não lhe desse muita atenção, se não fosse pelo fato de a igreja ter um problema.
Epafras, que parece ter se convertido por intermédio do ministério de Paulo em Éfeso, foi o fundador da igreja, embora Timóteo possa também ter contribuído para isso.
Quando a dificuldade surgiu em Colossos, Epafras foi o intermediário ele tentou resolver aquela dificuldade, mas parece que não foi bem-sucedido. Preocupado e sentindo-se incapaz de lidar com a situação, pediu auxílio a Paulo.
(Naquela época houve um terremoto em Colossos, o que pode ter sido outra razão para a viagem de Epafras a Roma.)
A igreja de Colossos tinha misturado um pouco do legalismo judaico com o dualismo filosófico grego e ainda com as ciências ocultas dos efésios. Era uma confusão generalizada.
Embora fosse uma igreja pequena e não tivesse sido fundada por Paulo, o apóstolo tinha profundo interesse pelo seu bem-estar. Assim, sob a inspiração do espírito Santo, ele escreveu uma calorosa, mas muito profunda epístola àquele grupo.
Começou assim: “Paulo, apóstolo e Cristo Jesus, por vontade de Deus, e o irmão Timóteo” (Colossenses 1:1).
Paulo deu diversos títulos a Timóteo: filho, cooperador, servo, discípulo, mas na maioria das vezes chamou-o de irmão.
E a razão por chamá-lo mais frequentemente de irmão, é que era assim que as igrejas se referiam a ele. Timóteo havia desenvolvido um relacionamento fraterno com as igrejas, relacionamento este impossível de ser conseguido por Paulo. Paulo era o apóstolo, a figura de autoridade. Era a imagem do pai; Timóteo, a imagem do irmão, aquele que ficava lado a lado com eles. Paulo parecia conhecer todas as respostas; Timóteo procurava as soluções junto com eles. Enquanto os colossenses conheciam Paulo apenas de nome, tudo faz crer que a designação irmão indique um conhecimento mais íntimo com Timóteo.
Barclay diz: “A prioridade no serviço cristão é a habilidade de dar-se bem com todas as pessoas. Timóteo não é descrito como o regador, o professor, o teólogo ou o administrador, mas como o irmão. Aquele que se distancia dos outros jamais pode ser um verdadeiro servo de Jesus Cristo.”
Há necessidade urgente de irmãos nos dias de hoje. Ouve-se com frequencia que a igreja precisa de mais missionários, pastores, professores, e outros obreiros. Mas nestes dias de solidão e de falta de amizade, uma das maiores carências é a de irmãos.
Paulo dirigiu-se aos colossenses como irmãos e como santos. Como santos, porque eram pessoas especiais, selecionadas e postas à prova por Deus. Como habitantes de Colossos, eles podiam sentir-se insignificantes, apenas fazendo parte de uma das três cidades (Laodiceia, Hierápolis e Colossos), sendo que esta cidade sempre era mencionada em último lugar.
Além de serem santos, eram irmãos; irmãos para o irmão Timóteo, irmãos uns para com os outros, e eram também irmãos para todos os cristãos espalhados pelo império romano. Podiam ter-se sentidos isolados nas águas paradas do Vale do Lico, mas Paulo afirmou que eram membros da família de Deus, uma família não provinciana, uma família que transcedia fronteiras nacionais.
Sim, eles eram de Colossos, mas eram também de Cristo. Além de santos, eram irmãos.

Filemom

A igreja de Colossos reunia-se na casa de um membro rico chamado Filemom, um homem mais ou menos da idade de Paulo. O seu escravo Onésimo fugira pra Roma e, não se sabe como, encontrou-se com Paulo.
Acontece que Onésimo, cujo nome significa “lucrativo ou útil”, logo tornou-se cristão e também um servo útil para Paulo. Enquanto Onésimo aprendia da fé cristã, Paulo se beneficiava dos seus serviços.
Daí o dilema. Os companheiros de Paulo iam e vinham o tempo todo. Seria altamente vantajoso ter alguém permanentemente ao lado de Paulo. Mas como escravo, Onésimo ainda pertencia a Filemom em Colossos, o líder da igreja colossense.
Hoje resolveríamos o problema raciocinando que, sendo a escravidão errada, Onésimo podia ficar em Roma. Mas, nos dias de Paulo, isso não era tão simples. Paulo tinha de pensar no que era melhor para Filemom e no que era melhor para Onésimo.
Deste modo, Paulo fez o que tinha de fazer. Pediu a Timóteo que pegasse a tinta e a pena, e ditou uma pequena carta ao seu amigo Filemom.
São apenas 25 versículos, mas é uma das cartas mais calorosas do Novo Testamento. À medida que a gente a lê, não tem dúvida do quanto Paulo se preocupava com o bem-estar de Filemom e de Onésimo.
E a escravidão? Como podia Paulo ignorar os seus males?
Reste atenção ao modo pelo qual Paulo escreveu. Começou referindo-se a si próprio, não como apóstolo como fez ao dirigir-se à igreja colossense, mas como prisioneiro, que era justamente a situação em que devia se encontrar um escravo fugitivo. Mencionando Timóteo na saudação, chamou-o de irmão, mas a palavra tem aqui uma conotação especial.
Paulo usou a palavra irmão referindo-se a Filemom também. Na realidade, chamou-o de meu amado irmão.
Legalmente, Filemom podia fazer o que quisesse com um escravo fugitivo. Podia até mandar matar Onésimo. Naquela sociedade, escravo não era gente.
Paulo sabia disso. Claro que Onésimo também. Então Paulo pediu a Filemom um pequeno favor. Que recebesse Onésimo de volta como servo e como irmão amado.
Quando Paulo acabou de ditar a carta, ele tinha chamado Timóteo de irmão, Filemom de irmão amado, e também o escravo Onésimo de irmão caríssimo.
Não parece uma família feliz?
E pode existir escravidão dentro de uma família feliz?
Lembremo-nos de que o filho pródigo pediu para voltar à casa paterna como escravo. Mas o pai matou um novilho cevado e pôs-lhe um anel no dedo.
Enquanto Timóteo escrevia a carta, deve ter pensado na transformação de sua própria vida. Timóteo não podia vangloriar-se de dons espetaculares. Mas, ao tornar-se filho de Deus pela fé em Jesus Cristo, tudo mudou. Tornou-se parte da vasta e sempre crescente irmandade. Ele, como Onésimo, tinha-se transformado num irmão amado.
Tendo já ditado as duas epístolas, Paulo chamou Tíquico pediu-lhe que acompanhasse Onésimo e levasse as duas cartas para Colossos. Tíquico levou a carta aos efésios (a qual pode ter sido uma carta circular endereçada a outras igrejas da área bem como a Éfeso) na mesma ocasião.

Igreja de Filipos

Embora a vida numa casa alugada fosse bem melhor do que numa prisão romana, certamente as despesas eram bem maiores. E era impossível Paulo fabricar  tendas com um soldado romano acorrentado ao seu braço. De onde concluímos que ele deve ter tido problemas financeiros.
Foi nessa altura que Epafrodito chegou. Nem parecia o homem que Paulo e Timóteo haviam conhecido como pastor da igreja de Filipos. Obviamente, Epafrodito estava muito doente. Talvez ele tivesse apanhado malária na região pantanosa ao sul de Roma.
Epafrodito trouxe um presente; os cristãos de Filipos gostavam de levantar ofertas. Já tinham mandado uma oferta de amor para Paulo quando este estava em Tessalônica e outra quando em Corinto. Participaram também do Fundo de Assistência para os Cristãos de Jerusalém, e agora de novo contribuíam para os gastos pessoais de Paulo. Este ficou extremamente grato.
Durante as semanas seguintes, Epafrodito recuperou a saúde.  Paulo mandou seus cooperadores para diversas localidades. Provavelmente Lucas e Aristarco, que permaneceram ao lado de Paulo durante o naufrágio e durante o seu aprisionamento em Cesaréia e agora em Roma, também receberam missões. Timóteo, porém, ficou com Paulo enquanto o apóstolo esperava que o seu caso fosse apresentado ao tribunal, espera que se esticava mais e mais.
Paulo pediu a Timóteo que o ajudasse com outra carta, desta vez para agradecer aos filipenses sua generosa dádiva, e para fazê-los ciente e como ia Epafrodito. O objetivo de Paulo nesta carta foi partilhar com os filipenses suas próprias emoções e por em ordem alguns problemas de menor importância, além de indicar alguns pontos perigosos que ele havia notado na igreja de Filipos. Comparada com a Segunda Epístola aos Coríntios, esta foi uma carta fácil de escrever.
Podemos imaginar que Paulo tenha se lembrado dos dias que passou em Filipos com Silas e Timóteo 12 anos antes. Deve ter se lembrado de Lídia, mulher de negócios, sua primeira convertida, e também da garota possessa pelo demônio que os acompanhava gritando: “Estes homens são servos do Deus Altíssimo!”
Servos. E foi como servo que ele começou a epistola. Escrevendo a outras igrejas, Paulo tinha muitas vezes de lembrar-lhes ser ele o apóstolo, aquele que escrevia com autoridade. Para os filipenses, orgulhosos de sua cidadania numa colônia romana, e orgulhosos de sua tradição na cidade histórica, pareceu-lhe apropriado começar: “Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus” (Filipenses 1:1).
Nada mais. Somente servos. Era o título que Paulo e Timóteo haviam recebido da jovem escrava endemoninhada.
Paulo e Timóteo regozijavam-se pela maneira com que os cristãos filipenses tornaram-se parceiros no evangelho “desde o primeiro dia até agora” (Filipenses 1:5) os cristãos filipenses não se contentaram em ser apenas convertidos; eles tinham se tornado parceiros desde o dia em que Lídia franqueou o lar aos quatro missionários. O coração generoso de Lídia estabeleceu um padrão que os cristãos de Filipos continuaram a seguir. A sua fama era de contribuírem com freqüência e generosidade para o ministério de Paulo e Timóteo (Filipenses 4:14-19). Mas a sua generosidade era mais do que fazer o bem. Eles eram parceiros, companheiros do mesmo jugo (companheiros de escravidão) no ministério de Paulo. Em conseqüência, oravam por ele.
Por certo Paulo lembrou-se de quando, junto com Silas, oravam na prisão de Filipos, enquanto Timóteo e os recém-convertidos cristãos oravam reunidos na casa de Lídia. Deus operou por meio de um terremoto, a fim de cumprir o seu propósito naquela hora. Um carcereiro foi salvo e logo depois a sua família, vindo eles engrossar as fileiras da novel igreja de Filipos.
Agora Paulo se encontrava de volta na prisão, e os seus carcereiros estavam sendo salvos (Filipenses 1:12-13); Deus estava cumprindo os seus propósitos para o bem da igreja (Filipenses 1:14). Mais uma vez Paulo se regozijava (Filipenses 1:18). Mais uma vez, os filipenses oravam do lado de fora, a 1600 km de distância, e Paulo orava do lado de dentro da prisão (Filipenses 1:9). Tendo tais cristãos como parceiros, não é de admirar que Paulo estivesse certo de que Deus mais uma vez faria com que todas as coisas cooperassem para o bem.
A notícia do progresso da igreja trazida pelo seu pastor Epafrodito era realmente boa. Não havia motivo para repreensão, embora houvesse alguns problemas, tais como a tendência ao orgulho.
A igreja filipense precisava de modelos de humildade.
É claro que o maior modelo de humildade é o próprio Jesus Cristo, que deixou as glórias do céu para vir à terra, onde se fez servo (aqui está a palavra novamente) e morreu na cruz, morte de pessoa criminosa.
Se os cristãos manifestassem tal humildade em Filipos, ou em qualquer outro lugar, não haveria divisões na igreja. Humildade e amor são os componentes que unem a igreja.
Mas quais os exemplos que Paulo podia apresentar aos filipenses? Afinal de contas, entende-se esta virtude muito melhor quando demonstrada em vez de apenas relatada.
Quais exemplos? Havia um sentado ali á sua frente. Timóteo.
Paulo disse aos filipenses que logo mandaria Timóteo visitá-los. E acrescentou: “Porque a ninguém tenho de igual sentimento, que sinceramente cuide de vossos interesses” (Filipenses 2:20). E Paulo ainda acrescentou esta melancólica sentença: “pois todos eles buscam o que é seu próprio, não o que é de Cristo Jesus” (Filipenses 2:21).
Um dos propósitos da prometida vista de Timóteo era levar aos filipenses as últimas notícias do julgamento de Paulo. Mas o outro propósito era ministrar-lhes.
Paulo disse não haver pessoas de “igual sentimento” ao de Timóteo. Mas Timóteo era igual a quem?
Esta pergunta tem dado aos comentaristas o que pensar.
É claro que Timóteo pensava como Paulo. Haviam passado tanto tempo juntos que Timóteo era quase o prolongamento de Paulo Timóteo estava tão preocupado com os filipenses quanto Paulo. “Portanto, ele é a pessoa adequada para o caso” ,diz o comentarista William Hendriksen. “Sim, vocês podem ficar certos de que Lee sinceramente se interessará pelo seu bem-estar.”
Além disso, Timóteo tornara-se alguém que pensava como o Senhor Jesus cristo. Paulo incitou os filipenses a terem todos o mesmo sentimento (Filipenses 2:2) e também o mesmo sentimento de Cristo, especialmente com referência à humildade (2:5-8). Paulo devia estar usando o mesmo raciocínio quando de novo emprega a palavra sentimento um pouco depois (2:20).
Em verdade, estas referências revelam três coisas a respeito de Timóteo: o seu interesse estava voltado para Paulo; o seu interesse estava voltado para os filipenses; o seu interesse estava voltado para Jesus Cristo.
Era esta a solução. Na realidade, quando Paulo escreveu esta epístola, não havia pessoa alguma ao seu redor que possuísse essas três qualidades. Havia milhares de cristãos em Roma naquela época, mas todos pareciam preocupados com os problemas do viver diário. Paulo não podia contar com eles para aquela missão.
O segredo do sucesso de Timóteo é que ele punha os interesses de Jesus Cristo acima dos seus próprios interesses. Não é de admirar que deus o achasse tão útil.
Timóteo, como você já deve ter concluído, era um indivíduo comum. Não possuía dons extraordinários, nem demonstrava coragem excepcional. Apenas colocava os interesses de Jesus Cristo acima dos seus próprios interesses. Qualquer pessoa pode fazer isso.

Assim que a carta foi terminada, Epafrodito levou-a a Filipos. É provável que Paulo tenha sido libertado no ano 62,e que logo em seguida Timóteo tenha ido a Filipos compartilhar as boas notícias com a igreja que orava.

domingo, 10 de julho de 2016

Cap. 8 - O Significado das Letras Vermelhas

Cap. 8

O Significado das Letras Vermelhas

Quando garoto eu tinha uma edição da Bíblia com as palavras de Jesus em letras vermelhas. Algumas palavras vermelhas surgiam onde eu menos esperava.
Como as letras vermelhas indicavam as palavras de Cristo, a maioria ficava nos Evangelhos, algumas no primeiro capítulo de Atos antes da ascensão do Senhor, e ainda outras no Apocalipse, recordando as palavras de Jesus a João, o discípulo amado, em sua notável visão.
Mas nos 148 capítulos do Novo Testamento que se encontram entre Atos 1 e Apocalipse, não havia muitas letras vermelhas.
Uma exceção, entretanto, era Atos 20:35: “Mais bem-aventurado é dar do que receber”.
Eu costumava perguntar-me qual a razão daquelas palavras vermelhas isoladas em Atos.
Quando deixamos Paulo e Timóteo no fim do último capítulo, eles se encontravam em algum lugar na Via Inácia, parte da rodovia mais movimentada de Roma. Enquanto Paulo escrevia a carta D aos coríntios (que chamamos de Segunda aos Coríntios), ele tinha os olhos voltados para o Oeste, ao longo da Via Inácia em direção a Roma, a capital do mundo, e ainda além em direção à Espanha ao oeste do Mediterrâneo.
Quando o apóstolo Paulo determinava ir a algum lugar, era muito difícil fazê-lo mudar de idéia.
De fato, depois de receber o relatório de Tito sobre a igreja de Corinto, e provavelmente após escrever a Segunda Epístola aos Coríntios em Filipos (ou em Tessalônica), Paulo e Timóteo iniciaram a longa jornada rumo oeste na Via Inácia, mais ou menos 320 km até ao Ilírico, província extremo-oeste da Grécia que se defrontava com a Itália, através do Mar Adriático.
Depois de pregar por algum tempo no Ilírico, Paulo e Timóteo desceram até Corinto, ficando aí uns três meses. Escreveu a Epístola aos Romanos, com a sua sistemática apresentação das grandes doutrinas do Cristianismo.
Embora nunca tivesse estado em Roma, Paulo muito sabia sobre ela. Priscila e Áquila, que ele encontrara pela primeira vez nos alojamentos dos fabricantes de tendas de Corinto, e que depois o ajudaram em Éfeso, estavam agora de volta à sua sede de negócios em Roma. (O velho imperador Claudio acabara de falecer, não havendo tanto perigo em voltar para lá.) Priscila e Áquila tinham, sem dúvida, aguçado a vontade de Paulo de visitar a igreja da grande capital.
Todavia, o seu verdadeiro objetivo era a Espanha, e não Roma, como ele francamente disse aos cristãos romanos: “...e desejando há muito visitar-vos, penso em fazê-lo quando em viagem para a Espanha, pois espero que de passagem estarei convosco e que para lá seja por vós encaminhado, depois de haver primeiro desfrutado um pouco a vossa companhia” (Romanos 15:23-24).
Quem sabe aonde mais Paulo pretendia ir? Talvez até a Gália; talvez até mesmo à posição avançada do longínquo noroeste: a Bretanha.
O que o impedia? Por que não tirava informação sobre os navios que se dirigiam para o Oeste? Porque ele já tinha reservado acomodação num navio que ia para o Leste. Leste? Sim, havia algo muito mais importante naquele momento do que pregar e ensinar o evangelho em Roma. Timóteo sabia disso havia três anos. Ele sabia que nada deteria Paulo do seu projeto favorito.
Era até mais do que um projeto favorito; era realmente uma grande operação. Envolvia todas as igrejas que Paulo tinha fundado até então. Cada uma contribuiria para um grande fundo de assistência a ser levado para os membros pobres da igreja de Jerusalém.

Necessidade financeira em Jerusalém

A preocupação de Paulo remontava a dez ou mais anos quando a igreja cristã de Antioquia incumbiu-se de um programa de assistência aos pobres da igreja de Jerusalém. Paulo e Barnabé foram designados mensageiros pela igreja de Antioquia para levar o dinheiro aos “irmãos que moravam na Judéia” (Atos 11:29).
Quando mais tarde houve certa desavença com a igreja de Jerusalém, Pedro, Tiago e João sugeriram a Paulo que a melhor coisa a ser feita seria que “lembrássemos dos pobres”, a que Paulo afirma “o que também me esforcei por fazer” (Gálatas 2:10).
Na sua viagem mais recente a Jerusalém, Paulo deve ter sido novamente movido pela grande necessidade financeira do povo. O Novo Testamento quase nada relata sobre esta visita, mas desde aquela ocasião Paulo começou a falar sobre uma campanha de assistência especial para os cristãos de Jerusalém.
Temos a tendência de pensar que o povo dos tempos bíblicos tinha o mesmo padrão de vida a que estamos acostumados atualmente. Mas não era essa a realidade, como Henri Daniel Rops destaca: “Não se pode esquecer que em Israel, naquela época, havia uma classe proletária, e até uma classe abaixo desta, constituída de trabalhadores mal pagos (um denário por dia; quatro ou cinco no máximo), diaristas com ameaça permanente de desemprego... os escravos libertos cujos patrões nem sempre lhes davam a pequena soma que a lei lhes outorgava, indigentes pelas ruas e, é preciso lembrar, leprosos e aleijados para os quais não havia hospital. Foi no meio deste pobre povo desprezado, destes proscritos, que a mensagem de Cristo primeiro se espalhou e começou a se espalhar.”
Isso era o que acontecia em tempos normais. Como seria a vida deles durante uma séria depressão econômica? Como Rops diz: “A crise econômica do primeiro século tornou a miséria ainda pior.”
Quando Paulo chegou a Jerusalém depois de ter passado dois anos nas prósperas cidades de Corinto e Éfeso, ele deve ter ficado muito chocado com o contraste.
Imediatamente surgiu o gigantesco plano. Quando Paulo foi à Galácia no ano 52 da era cristã, levando consigo Timóteo, disse aos gálatas o que acontecia e provavelmente disse que Timóteo voltaria em um ano para receber deles uma oferta. Escreveu em sua Primeira Epístola aos Coríntios: “Quanto à coleta para os santos fazei vós também como ordenei às igrejas da Galácia” (I Coríntios 16:1). Escrevendo aos romanos (que não faziam parte do grande esquema, porque a igreja deles não foi fundada por Paulo), ele lhes explicou como era feita a arrecadação. “Isto lhes pareceu bem, e mesmo lhes são devedores; porque se os gentios têm sido participantes dos valores espirituais dos judeus, devem também servi-los com bens materiais” (Romanos 15:27).
Não há dúvida; o assunto estava de contínuo na mente de Paulo.

Por que tirar coleta, Paulo?

Se eu fosse Timóteo, teria feito umas perguntas para Paulo, quando o assunto surgiu pela primeira vez:
1.    Por que perder tempo em tirar coleta quando há tantas coisas mais importantes a serem feitas, tais como ganhar almas para Cristo?
2.    Por que perturbar os cristãos novos? Não há coisa que irrite mais as pessoas do pedir-lhes oferta. Estas novas igrejas já estão cercadas de muitos problemas; por que acrescentar mais um?
3.    A maioria dos novos cristãos está também sofrendo os efeitos da pobreza. Será justo sobrecarregá-los ainda mais com um apelo para dar a outros pobres? Ou talvez você pudesse dispensar os pobres cuja renda não fosse mais do que dois denários por dia.
4.    Já que está insistindo em tirar coleta, Paulo, por que não pensar em outro apelo? Há muitos motivos pelos quais não faz sentido dar ofertas a Jerusalém.
·          Desde que você se converteu, Paulo, a igreja tem-no feito passar maus pedaços. Se eles têm problemas, decerto os merecem. Pode ser que Deus esteja castigando a igreja pelo modo como o trataram. Por que eles lhe dão tantos aborrecimentos?
·         Já que está tirando coleta, por que não usá-la para pagar a sua viagem até a Espanha? Você poderia começar uma missão chamada “Sociedade Missionário do Além-Mar” e conseguir bastante dinheiro para assegurar uma temporada inteira de trabalho missionário na Espanha para voe e para mim.
·         Não seria mais popular (e mais lucrativo a longo prazo) você encorajar cada igreja a começar um fundo de construção de modo que tivessem um lugar apropriado onde ouvir a Palavra de Deus?

É por isso, Timóteo

 Paulo havia ensinado a Timóteo muita coisa sobre prioridades, organização e estratégia durante os últimos seis ou sete anos que tinham trabalhado juntos. Todavia, jamais todos estes assuntos combinaram com mais eficácia do que na coleta de ofertas para os santos necessitados de Jerusalém.
A coleta não era somente um ato de compaixão e caridade; era também um instrumento de ensino. Voltemos às hipotéticas perguntas e vejamos como Paulo as teria respondido:
1.    A minha principal prioridade não é salvar almas, mas estabelecer igrejas. Se eu estivesse apenas interessado em salvar almas, eu não teria escrito nenhuma epístola.
2.    Uma das principais coisas que os novos cristãos precisam entender é que eles fazem parte de um corpo composto de muitos membros, e que estes membros devem amar e cuidar uns dos outros. Este corpo é mais claramente visível na igreja local; foi por isso que fiquei tão aborrecido quando os coríntios estavam dividindo o corpo. Mas, em segundo lugar, este corpo também é visto na unidade de todos os crentes onde quer que estejam. Lembre-se sempre destas duas coisas: A igreja é o corpo de Cristo, e é um só corpo.
3.    Você disse que estes novos cristãos não são ricos. É verdade; mas não se esqueça de que não é o que recebe, mas o que dá, que é o primeiro a ser abençoado. A motivação para dar não é porque você tem os recursos e deve dar, mas porque alguém não tem e você ama esse alguém.
4.    Sim, eu sei que não tem sido fácil lidar com a igreja de Jerusalém, mas aqueles cristãos também precisam ter conhecimento da autenticidade do corpo de Cristo. É preciso que eles saibam que estão no mesmo corpo que os coríntios, por exemplo, e que há um laço que nos une, não importa que sejamos judeus ou gentios, escravos ou livres, homens ou mulheres, brancos ou pretos, ricos ou pobres, brilhantes ou obtusos.
·         Você diz que a igreja de Jerusalém não merece. Talvez não, mas você não vê que isso é que é o Cristianismo? Deus nos mandou seu Filho não porque o merecêssemos, mas porque ele nos ama. Se deus nos desse aquilo que merecemos, ele já teria nos mandado o fogo da destruição há muito tempo.
Jesus disse aos discípulos diversas vezes que amassem uns aos outros. Ele disse: “nisso conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (João 13:35). Precisamos demonstrar esse amor.
·         Deste modo você vê que na promoção da obra de Deus nada há mais importante do que a manifestação do amor cristão entre as igrejas, nem mesmo a pregação do evangelho na longínqua Espanha.
·         Quanto à necessidade de construir igrejas, isto apenas faria com que estes novos cristãos se concentrassem mais em si mesmos. No momento eles estão preocupados demais com seus próprios insignificantes problemas. Eles têm necessidade de pensar em coisas maiores, em algo além deles mesmos. Eles precisam começar a pensar nas necessidades dos outros.
·         Você questiona o Fundo de Assistência a Jerusalém. Quanto mais penso sobre isso, tanto mais me convenço de que não somente é a coisa certa a fazer, mas também de alta prioridade.
De fato, não sei o quanto destas considerações Paulo realmente teria dito a Timóteo, mas lendo-se II Coríntios, capítulos 8 e 9, encontra-se muitos destes mesmos argumentos nas próprias palavras de Paulo.

A justificativa de dar

Tempos atrás, quando Paulo escreveu a sua primeira carta à igreja de Corinto, ele principiou o movimento. Disse-lhes que a oferta tinha de ser regular, “no primeiro dia da semana” como parte do culto; deveria ser proporcional, “conforme a sua prosperidade”; e isto aplicava-se a todos, “cada um de vós”, rico ou pobre (I Coríntios 16:2).
Nos 12 meses seguintes, os cristãos de Corinto tiveram alguns outros problemas a ocupar-lhes a mente. Portanto, quando Paulo escreveu a segunda epístola, ele teve de animá-los um pouco: “completai agora a obra começada” (2 Coríntios 8:11).
Antes, não há dúvida, ele tinha explicado claramente a grande necessidade dos cristãos de Jerusalém; agora ele apresentava mais quatro motivos:
1.    As igrejas pobres da Macedônia já tinham contribuído; haviam compartilhado da sua pobreza; não poderiam vocês compartilhar da sua abundância?(8:1-5).
2.    Como igreja, vocês possuem muitos dons espirituais; por que não cultivar também o dom de dar? (8:6-7). Logo depois, ao escrever aos romanos, Paulo incluiu a contribuição na lista dos dons do Espírito (Romanos 12:6-8).
3.    Não há exemplo maior de dar do que o exemplo de Jesus cristo. Visto que ele deu tudo a você, por que você se recusa a dar ao seu irmão? (2 Coríntios 8:8-9). Este foi o argumento máximo. James Stewan refere-se a ele como usar uma marreta para quebrar uma noz.
4.    A contribuição é um modo de igualar as posses; se vocês, como membros da igreja cristã, a prenderem a mar uns aos outros, então algum dia no futuro, quando a depressão econômica atingir Corinto, vocês receberão auxílio dos outros.

A organização é necessária

Paulo sabia como convencer. Mas Timóteo aprendeu muito mais do que uns poucos argumentos a favor da contribuição durante o trabalho de assistência a Jerusalém. Aprendeu algo sobre organização
Ouve-se, às vezes, dizer que sendo a pessoa verdadeiramente espiritual, não precisa de organização. Insinua-se que a organização é um obstáculo à obra do Espírito.
Tenho de admitir que às vezes isso é verdade. É possível que igrejas e organizações cristãs fiquem tão presas a formalidades burocráticas, que os seus regulamentos chegam a exercer mais autoridade do que a Bíblia, e as reuniões de oração são substituídas pelas de comissões disto e daquilo.
Mas o apóstolo Paulo tinha a organização em alto apreço. Se Timóteo quisesse seguir as pegadas de Paulo, seria bom que ele também aprendesse a organizar.
Ao fundar uma igreja, Paulo fazia questão que ela fosse organizada corretamente. Timóteo sabia disso muito bem por ter aprendido com Paulo. E, se quisermos falar sobre uma organização de fato eficiente, basta olhar para o Fundo de Assistência a Jerusalém.
No mundo de hoje, as pessoas acostumaram-se a dar. Nos dias de Paulo, contudo, não havia Cruz Vermelha ou qualquer outra assistência. Uma multidão de pedintes postava-se á entrada da cidade, e era essa a única maneira que as pessoas tinham de aprender a dar voluntariamente.
Se a pessoa tivesse de levantar fundos entre 8 a 10 igrejas espalhadas em diversas províncias e separadas até por 16000 km de distância, como é que ela procederia?
Bem, eis aqui o que Paulo fez. Aproximadamente um ano antes do Dia da doação, a cada igreja foi notificado o projeto, e foi-lhe dada oportunidade de nomear um delegado (ou aprovar a pessoa indicada por Paulo) para levar a oferta a Jerusalém. Em alguns casos, Paulo escreveu cartas com outras instruções e enviou pessoas para verificar como se fazia o trabalho nas diversas igrejas. Parece que todos os delegados deviam encontrar-se em Corinto num dia específico, provavelmente no começo de março, no ano 57 da era cristã.
Tudo foi organizado com a precisão de uma operação comercial do século 20.

Para a festa de Pentecostes

Por que esta data era tão importante? Isso também fazia parte do plano de Paulo. Ele queria chegar a Jerusalém para a festa de pentecoste, no fim de maio daquele ano.
Pentecoste era uma época de regozijo, quando se esperava que todos os judeus fossem a Jerusalém para levar os primeiros frutos dos campos e hortas da colheita da primavera como uma oferta ao Senhor. Era uma espécie de “Dia de Ação de Graças” judaico.
É claro que os cristãos de hoje reconhecem o dia de Pentecoste como o aniversário da igreja cristã (Atos 2:1), mas não há dúvida de que Paulo tinha em mente o significado do Antigo Testamento. Ao ir a Jerusalém, ele estaria levando os primeiros frutos do seu ministério entre os gentios e cada um deles estaria trazendo uma oferta.
Os gentios do seu grupo de delegados não entendiam o significado e o simbolismo de tudo aquilo, mas pode-se ficar certo de que Timóteo o entendia. Talvez Paulo e Timóteo até mesmo imaginassem serem estas as primícias do cumprimento de profecias tais como: “Certamente as terras do mar me aguardarão; virão primeiro os navios de Tarsis para trazerem teus filhos de longe e com eles a sua prata e o seu ouro para a santificação do nome do Senhor, teu Deus, o Santo de Israel” (Isaías 60:9).
Timóteo participou do processo de levantamento de fundos em diversos lugares. Como delegado da igreja de Listra, ele estava presente quando Paulo fez ali pela primeira vez o apelo à igreja. Por certo, um ano ou dois mais tarde, ele voltou para receber os fundos recolhidos na sua própria igreja.
Mais tarde, Timóteo foi mandado com Erasto para a Macedônia (Atos 19:22), e parte do seu objetivo deve ter sido verificar se o levantamento de fundos em Filipos e Tessalônica seguia como planejado. Se este Erasto foi mesmo aquele Erasto que mais tarde se tornou o tesoureiro da cidade de Corinto (Romanos 16:23), ele foi um companheiro mais do que acertado para Timóteo nessa missão de arrecadação de fundos.
Apesar de todos os planos detalhados de Paulo, ele receava que aparecessem alguns problemas. Foi, provavelmente, em fevereiro do ano 57 da era cristã que ele escreveu a Epístola aos Romanos, na qual suplica aos cristãos de lá que orem por ele. “Rogo-vos...que luteis juntamente comigo nas orações a Deus a meu favor” (romanos 15:30). Em março, quando ele e o seu grupo de seis ou oito delegados estavam prontos para navegar até Jerusalém, Paulo descobriu que havia uma trama contra sua vida. A bordo de um navio lotado, Paulo teria sido um alvo fácil. Por essa razão, ele mudou seus planos de viagem repentinamente. A maioria dos delegados tomou o navio para a primeira parada do percurso, o porto de Trôade; Paulo, Lucas, e talvez Tito, foram por terra a Filipos e depois fizeram uma curta viagem de navio a fim de encontrar os outros em Trôade. Felizmente, Paulo havia deixado uma grande margem no seu programa para problemas menores, tais como conspirações contra sua vida.

Uma parada em Éfeso

A parada seguinte foi ao descer a costa do mar Egeu, perto de Éfeso, e Paulo não pode deixar de aproveitar a oportunidade para convocar os presbíteros da igreja dos efésios para um encontro com ele. Num sermão comovente, disse-lhes: “E agora, constrangido em meu espírito, vou para Jerusalém, não sabendo o que ali me acontecerá, senão que o Espírito Santo, de cidade em cidade, me assegura que me esperam cadeias e tribulações” (Atos 20:22-23). E então acrescentou: “Nem um de vós verá meu rosto novamente” (Atos 20:38).
Podemos ficar certos de que todos em Éfeso tinham os olhos rasos d’água. Mas a pergunta que não chegava a ser feita era: “Se você sabe que cadeias e tribulações o esperam em Jerusalém, por que insiste em ir até lá?”
Quase percebendo uma pergunta como esta, Paulo conclui suas palavras aos presbíteros de Éfeso com as palavras de Jesus: “Mais bem-aventurado é dar do que receber” (Atos 20:35). (Lembram-se das letras vermelhas com as quais eu me maravilhava quando garoto?)
Bem, a bem-aventurança não é aquele tipo de felicidade superficial que sentimos ao nos divertirmos ou ao termos uma boa vida. É a felicidade a que Cristo se referiu naquelas palavras que chamamos de Bem-aventuranças: “Bem-aventurados os mansos, bem-aventurados os que choram, bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça (Mateus 5).
É uma felicidade mais profunda, uma felicidade acerca da qual um discípulo sincero como Timóteo ainda teria muito que aprender.
Depois de Paulo ter falado, “houve grande pranto entre todos” (Atos 20:37), e podemos ficar certos de que os companheiros de Paulo na viagem a Jerusalém também tiveram a sua parte no pranto.

A caminho de Jerusalém

Teria sido mais fácil, e também muito mais prudente ir para o Oeste em direção de Roma em vez de ir para o Leste em direção de Jerusalém. Mas, para Paulo, a entrega da coleta aos pobres de Jerusalém era de suma importância. Como disse aos presbíteros de Éfeso: “Em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus” (Atos 20:24).
Não me surpreende que Paulo tivesse continuado a viagem para Jerusalém. O que me surpreende é que nenhum dos delegados tenha desistido de ir. Teria sido a hora apropriada para um deles contraírem uma enfermidade psicossomática. Afinal de contas, Timóteo tinha problemas de estômago.
Chegados à Palestina uma semana mais tarde, receberam outro aviso sinistro. Na cidade de Tiro, os cristãos recomendaram a Paulo que não fosse a Jerusalém. Suas súplicas não pareciam perturbar a Paulo. Como ainda estavam no princípio de maio, Paulo e sua equipe descansaram ali por uma semana antes de seguir caminho. Dois dias depois pararam em Cesaréia, a apenas 96 km de Jerusalém. Encontraram aí um profeta vindo diretamente da Judéia. De modo dramático, o profeta pegou o cinto de Paulo e, ligando com ele suas próprias mãos e pés, declarou: “Assim farão ao dono deste cinto” (Atos 21:10-11).
Paulo devia ficar abalado com este aviso. Principalmente porque uns 10 ou 12 anos antes, este mesmo profeta tinha predito uma fome em toda a Judéia (Atos 11:28). Foi a sua profecia que inspirou a igreja a angariar o primeiro Fundo de Assistência à Fome de Jerusalém. E agora, depois de todos esses anos, ele apareceu de novo, justamente quando Paulo estava prestes a entregar outro fundo de assistência.
Para Timóteo e os outros delegados, esta foi a última gota. Talvez essa ida a Jerusalém fosse um erro de Paulo, raciocinavam. Era possível que Deus nem mesmo o quisesse em Jerusalém. Talvez fosse bom Paulo ficar para trás enquanto os delegados prosseguissem para entregar as ofertas aos líderes de Jerusalém. A maioria deles não era conhecida em Jerusalém.
Por isso, junto com os cristãos de Cesaréia, incluindo-se Filipe e suas quatro filhas, todas profetisas, os delegados suplicaram a Paulo que não fosse tão teimoso. Então ele não via que o Espírito Santo lhe estava revelando que não seguisse adiante? Até Timóteo discordava da decisão de Paulo de ir à Jerusalém.
Quando até os seus amigos mais chegados lhe suplicaram que mudasse o trajeto, Paulo teve de responder. E qual foi a resposta? “Que fazeis chorando e quebrantando-me o coração? Pois estou pronto não só para ser preso, mas até para morrer em Jerusalém, pelo nome do Senhor Jesus” (Atos 21:13).
Paulo estava decidido. Sabia o que o aguardava. Talvez ele sentisse algumas das mesmas emoções que Jesus sentiu quando fez a última grande caminhada da Galiléia até Jerusalém, sabendo que a cruz do Calvário esperava por ele.
E os seus amigos concluíram as suas argumentações com uma afirmação bastante reveladora: “Como, porém, não o persuadimos, conformados, dissemos: Faça-se a vontade do Senhor” (Atos 21:14).
Não sei se você já passou por uma situação como esta, mas eu já. Talvez você tenha uma opinião diferente. Você acha que Deus o está orientando para um rumo; seu amigo acha que Deus o está impelindo para outra direção. Você acha que todos os argumentos são a seu favor, mas o seu amigo não se deixa persuadir.
Você fica desapontado, é claro. Seu amigo não quer render-se à evidência. Você se desanima porque o seu conselho foi dado para o bem, e o amigo resolveu não fazer caso dele. Se os seus motivos fossem escusos, tudo bem. Mas você orou sobre o assunto e deu o conselho para o bem dele, e não para o seu próprio bem. Você está profundamente perturbado porque o amigo está decidido, apesar do seu sábio conselho, a meter-se em dificuldades. Você está triste por ele e pelo que indubitavelmente ele enfrentará.
É justamente isto que Timóteo, Lucas e os outros devem ter sentido.
Alguns comentaristas da Bíblia acham que, depois de Timóteo, Lucas e os outros delegados haverem discutido o assunto com Paulo, eles compreenderam que os eu mestre estava seguindo a vontade de Deus e eles não. Não concordo.
Acho que nesta altura eles não sabiam qual era a vontade do Senhor. Parecia-lhes que Paulo devia ficar em Cesaréia. Como, porém, Paulo estava certo de que deus queria que ele continuasse, eles disseram: “Faça-se a vontade do Senhor”, e foram com ele.
Não lhes foi fácil.
O que Deus revelou a Paulo não foi revelado a Timóteo. Isto não quer dizer que Timóteo fosse menos espiritual do que Paulo nesta altura dos acontecimentos. Apenas significa que Timóteo devia dizer: “Não entendo, Senhor; isso não faz sentido para mim, mas faça-se a tua vontade.”
Esta atitude pode ter sido tão difícil quanto a resolução de Paulo de seguir o caminho que Deus lhe havia traçado.
Então, os homens começaram a sua difícil jornada até Jerusalém. Eram 95 km de Cesaréia a Jerusalém, sempre subindo, porque Jerusalém está no alto das colinas a 800 metros acima do nível do mar. É possível que tenham conseguido cavalos para a última etapa da longa jornada, pelo menos para transportar a bagagem.
Imaginemos o que esta viagem deve ter sido para Timóteo. É provável que esta fosse sua primeira visita a Jerusalém. Durante toda a ida, sonhara em ir até lá, como todo jovem judeu. Quando Paulo lhe falou sobre o Fundo de Assistência a Jerusalém pela primeira vez, Timóteo deve ter ficado excitado com a possibilidade de ser um dos delegados. Aprovado os eu nome pela igreja de Listra, ele viu que o sonho da sua vida ia tornar-se realidade. Mas agora, toda a sua alegria tinha desaparecido.
O que esperava em Jerusalém? Qual seria o futuro de Paulo? E o que o futuro traria para Timóteo?
Chegados a Jerusalém, foram acolhidos calorosamente pelos irmãos, nada aconteceu de sinistro. Mas os delegados devem ter sentido a incerteza pesando-lhes no coração. Alguma coisa ainda havia de acontecer. Haviam-se entregado a Deus quando disseram: “Seja feita a vontade do Senhor”. Mas era perfeitamente humano cogitarem quais seriam os acontecimentos e como eles se dariam.
No dia seguinte ao da chegada, Paulo e os companheiros foram encontrar-se com Tiago, irmão de Jesus, que dirigia a igreja de Jerusalém. Lá também estavam reunidos todos os presbíteros da igreja.
Nessa ocasião festiva, os delegados devem ter entregado os fundos de assistência para os presbíteros da igreja e louvado a Deus. Paulo apresentou um relatório detalhado de tudo quanto Deus tinha feito entre os gentios através do seu ministério.

Agitação em Jerusalém

Até agora, tudo bem. Mas, dentro de uma semana, a situação mudou. Atendendo ao conselho dos presbíteros locais, Paulo tinha acompanhado quatro cristãos de Jerusalém que queriam cumprir um voto no templo. Os presbíteros acharam que a presença do apóstolo no templo deteria o rumor de haver Paulo renunciado às suas raízes judaicas.
O tiro saiu pela culatra. Ao invés de aplacara os boateiros, a presença de Paulo naquele local deu origem a novos rumores. De conformidade com o último deles, Paulo estava profanando o templo por ali introduzir gentios.
O que aconteceu depois disto foi o que sempre acontecia quando Paulo estava por perto: tumulto no templo, dramático resgate pelos soldados romanos, trama de morte por 40 assassinos, escolta de 500 militares levando Paulo de noite para a sede romana em Cesaréia.
Realizavam-se as profecias referentes às aflições. A prisão e o sofrimento de Paulo eram inevitáveis.
E quanto a Timóteo e os outros delegados? Numa cidade desconhecida, bombardeados por acontecimentos mais rápidos do que se podia pensar, Timóteo e os outros devem ter ficado confusos e perplexos.
Timóteo mais do que ninguém. Durante quase oito anos, ele havia sido o braço direito de Paulo. Contava agora 26 ou 27 anos, mas jamais havia trabalhado por conta própria. Mesmo quando viajara em diferentes missões para Paulo, estivera sempre sob suas ordens, e cumprira fielmente suas atribuições da melhor maneira possível. Sua última tarefa tinha sido trazer o fundo de assistência a Jerusalém, mas a missão já havia sido cumprida Timóteo estava sem função.
A maioria dos outros delegados tinha provavelmente, um trabalho que voltariam a fazer e, sem dúvida, procuraram entrar em contato com o próximo barco que os levaria para casa. Relatariam às suas igrejas haver cumprido com a sua missão, e pediriam orações por Paulo, que se achava encarcerado numa prisão romana em Cesaréia.
              Mas Timóteo fora treinado para ser missionário. A sua experiência maior era trabalhar com igrejas recém-formadas.
Dois dos delegados: Aristarco, representante de Tessalônica, e o Dr. Lucas, decerto representando Filipos, ficaram com Paulo em Cesaréia. Evidentemente, Aristarco ficou como um criado particular e Lucas como médico de Paulo.

E Timóteo? Que aconteceria com ele? Fico a pensar se Timóteo entendia o significado daquelas palavras em letras vermelhas que tantos anos atrás eu vi em Atos 20:35: “Mais bem-aventurado é dar que receber.”